Cidadão de elevado carácter, prestigiado e ativo militante na Resistência contra o regime fascista, foi candidato da Oposição Democrática pelo distrito do Porto, nas eleições de 1961, 1965 e 1969. Advogado com grande notoriedade, defendeu presos políticos nos Tribunais Plenários, tendo sido, ele próprio, preso e julgado por diversas vezes.
Homem multifacetado com intensa actividade também no campo das Letras, deixou a sua escrita dispersa por inúmeras publicações. Exerceu a advocacia em Famalicão até se mudar para o Porto em 1952, mas manteve também o escritório na sua terra natal, até 1974.
Armando Filipe Cerejeira Pereira nasceu no lugar de Santo Adrião, Vila Nova de Famalicão, a 25 de setembro de 1919 e faleceu a 2 de setembro de 1998. Casou com Elisa Amado Bacelar (1916 - 2001), uma importante ativista do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas e da Associação Feminina Portuguesa para a Paz [quer em Coimbra quer, posteriormente, no Porto], que veio a ter, também ela, importante atividade na Resistência. O casal teve três filhos: Manuela, Rui e Eva.
Ainda estudante liceal em Braga, Armando Bacelar foi com um colega, José Manuel Videira Pires, diretor do quinzenário académico Alma Nova [de que se publicaram quatro números, entre Outubro de 1935 e Janeiro de 1936]. Já aluno de Direito na Universidade de Coimbra, onde se licenciou, fez parte do Bloco Académico Anti-Fascista. Desenvolveu então uma contínua atividade política e colaborou em jornais como Via Latina e Estrela do Minho. Em 1941, durante o primeiro período do Curso de Oficiais Milicianos, em Mafra, deslocava-se com frequência a Lisboa para encontros clandestinos com membros do Partido Comunista [como Pedro Soares e Fernando Piteira Santos], a fim de colaborar na reorganização daquele partido, que então decorria. Nesses anos tinha relações próximas com alguns dos escritores e artistas que viriam a destacar-se no movimento neo-realista. Com muitos deles, colaborava no semanário O Diabo, no quinzenário Sol Nascente, de cuja redação em Coimbra fez parte, e no mensário Pensamento, do Porto, o órgão (do que restava) das estruturas do Partido Socialista. Todos esses jornais viriam a ser suspensos por ordem dos serviços de Censura, mantendo-se apenas a publicação da Seara Nova, as páginas literárias dos jornais de província e ainda O Comércio do Porto, cujo suplemento literário – Comércio dos Novos – Armando Bacelar dirigiu em 1939. Foi um dos iniciadores, como crítico e articulista, do movimento neo-realista e pertenceu à comissão que selecionou os textos da coleção poética Novo Cancioneiro, lançada em Coimbra, em 1940, por Fernando Namora. Criou, em 1941, com José Ferreira Gomes, os Cadernos de Cultura Socialista, que eram dactilografados e enviados pelo correio (clandestinamente).
Em 1942, passou a militar no MUNAF e chegou a organizar, no Regimento de Infantaria 8, de Braga, onde prestava serviço como oficial miliciano, um «Campo Anti-fascista de Combate», que esteve prestes a integrar um movimento insurreccional entretanto desconvocado.
Foi membro do Partido Comunista Português desde 1938 até 1954. Em 1945 ligou-se ao MUD, de cuja comissão concelhia foi presidente, tendo participado nos comícios desse movimento em Famalicão e em Braga. Foi preso pela primeira vez em 11 de abril de 1947, “para averiguações por crime contra a segurança do Estado”. Depois da dissolução do MUD, foi um dos promotores do movimento de apoio à candidatura do general Norton de Matos à Presidência da República (1949), tendo sido vice-presidente da respetiva comissão distrital de Braga. A sua intensa atividade na redação, distribuição e afixação de panfletos e cartazes valeu-lhe a instauração de dois processos-crime (que acabaram por não ser julgados). Nesse mesmo ano de 1949, foi um dos fundadores do Movimento Nacional Democrático que, em 1951 iria apoiar e colaborar na campanha para a candidatura de Ruy Luís Gomes à Presidência da República. Em março de 1957, foi um dos primeiros dos 72 advogados de Lisboa e do Porto que assinaram uma representação ao ministro da Presidência pedindo um «inquérito à PIDE». Em 1957 e 1958 colaborou, nos distritos do Porto e Braga, nas campanhas eleitorais, integrando a comissão distrital do Porto da candidatura do general Humberto Delgado à Presidência da República.
Em 1961, aderiu à Frente Patriótica de Libertação Nacional, com sede em Argel, em cujas atividades teve papel relevante, redigindo manifestos e outros documentos e participando em encontros com elementos vindos clandestinamente do estrangeiro.
Em 1969, foi um dos autores do projeto de unidade democrática que ficou conhecido por Plataforma de Acção Comum ou «Plataforma de S. Pedro de Moel», com vista à unidade da oposição nas eleições legislativas desse ano, embora se tenha registado a apresentação de duas listas (CDE e CEUD) em Lisboa, Porto e Braga: CDE e CEUD.
Nesse ano, foi candidato da CDE pelo Portoe depois, participou ativamente no Movimento das Comissões Eleitorais Democráticas (MDP-CDE), fundado após aquelas eleições. Abandonou este movimento em 1973, ano em que foi um dos fundadores do Partido Socialista, de que viria a ser dirigente.
Participou nos congressos oposicionistas de Aveiro, realizados em 1956 e em 1973, tendo apresentado no primeiro uma tese intitulada «O Processo Político em Portugal».
Como advogado defendeu réus em vários julgamentos políticos nos Tribunais Plenários de Lisboa e do Porto, tendo sido, ele mesmo, ali julgado e absolvido, por duas vezes, em 1949 e em 1960. Entre 1947 e 1963, foi várias vezes detido, sob a acusação de pertencer ao Partido Comunista e de atividades contra a segurança do Estado. Em Novembro de 1958, o motivo da prisão foi outro: era acusado, juntamente com outros advogados, de pretender atentar contra o bom nome de Portugal, por ser advogado de Maria Ângela Vidal Campos que lhe passara procuração e pretendia apresentar queixa nas Nações Unidas contra o Estado português e contra a PIDE, devido às condições em que se encontrava detida.
Foi eleito, em 31 de outubro de 1957, para a delegação da Ordem dos Advogados em Vila Nova de Famalicão e foi delegado às assembleias-gerais entre 1963 e 1968. Participou no I Congresso dos Advogados Portugueses, realizado em Lisboa em 1972. Membro do Conselho Geral da Ordem, entre 1972 e 1974, foi, nessa qualidade, delegado à reunião da conferência da Associação Internacional dos Juristas Democráticos (AIJD), realizada em Paris, em Janeiro de 1974, e dedicada aos trabalhadores migrantes da Europa Ocidental. Entre1986 e 1989 foi membro do Conselho Superior da Magistratura.
Publicou alguns trabalhos de carácter jurídico, como Um Caso Grave de Prepotência Administrativa (1959), Dois Limites à Faculdade de Contratar sobre Estado de Pessoas (1966) e «Ossos do Ofício...ou do que um advogado não está livre (1966)».
Como escritor, participou ativamente na imprensa e nas revistas literárias ligadas ao Neo-Realismo, tal como é o caso Alma Académica (Porto), Alma Nova (Braga), Comércio dos Novos/O Comércio da Póvoa de Varzim (Póvoa de Varzim) – dirigiu estes dois últimos títulos enquanto ainda jovem estudante – Da Gente Moça//O Trabalho (Viseu), O Diabo (Lisboa), Do Espírito Literário/Ecos do Sul (Vila Real de St.º António), A Ideia Livre (Anadia), Independência de Águeda (Águeda), Nova Luz (Coimbra), Pensamento (Porto), Síntese (Coimbra), Sol Nascente (Porto, Coimbra), O Trabalho (Viseu), Vértice (Coimbra), entre outros títulos.
Crítico literário da revista Vértice, colaborou também em diversos jornais, como Notícias de Famalicão, República, Diário de Notícias e Diário de Lisboa. Escreveu com os seguintes pseudónimos: Carlos Relvas, Eugénio Bastos Freire, Raul Sequeira, Aníbal Borges de Castro e Inês Gouveia. No semanário Estrela do Minho publicou crónicas sobre temas femininos, sob o pseudónimo de Inês Gouveia, o mesmo com que assinou, no número único do jornal Nova Luz (janeiro de 1942), um artigo que causou na época sensação: A Mulher perante os Biólogos. Usou, aliás, outros pseudónimos, na sua colaboração com diversos jornais e revistas os seguintes pseudónimos: Carlos Relvas (O Trabalho/Gente Moça, Sol Nascente, O Diabo, Pensamento, Vértice, Ecos do Sul/O Espírito Literário, Ideia Livre/Gente Moça), Eugénio Bastos Freire (Pensamento), Aníbal Borges de Castro (Síntese), Raul Sequeira (Síntese, A Mocidade) e Fausto Ribas (Pensamento, Síntese), entre outros.
Depois do 25 de Abril, foi deputado do PS à Assembleia Constituinte (1975) e à I Assembleia da República (1976-1980) e foi subsecretário de Estado da Administração Judiciária (e, depois, da Justiça, quando o nome do departamento foi alterado) em todos os governos provisórios, exceto o quinto, em que o Partido Socialista não participou. Foi ministro dos Assuntos Sociais no I Governo Constitucional (julho de 1976-janeiro de 1978).
Em novembro de 1992, participou nas II Jornadas de História Local (1892-1992), que se realizaram em Vila Nova de Famalicão e nas quais apresentou uma extensa comunicação intitulada Memória de Tempos Idos, sobre a Oposição Democrática entre 1926 e 1945.
Manteve sempre a sua colaboração na imprensa diária, designadamente na República, no Diário de Notícias e no Diário de Lisboa. Foi, com Lino Lima, autor do catálogo da exposição Testemunhos de Luta pela Liberdade, promovida pelo município famalicense em1992. No mesmo ano, organizou o catálogo de outra exposição promovida pelo mesmo município, intitulada A Oposição Democrática em Vila Nova de Famalicão; e, em 1996, foi autor do catálogo e do roteiro da exposição que decorreu, por iniciativa da Câmara Municipal de Matosinhos, na Casa-Museu Abel Salazar, intitulada Entre a realidade e a utopia: o neo-realismo literário português.
Foi um dos sócios fundadores da Associação Cultural do Museu do Neo-Realismo, inaugurado em 2007.
Foi distinguido em 1996 pelo então Presidente da República Jorge Sampaio com a Grã-Cruz da Ordem do Infante, tendo sido também distinguido pela Câmara Municipal de V. N. de Famalicão com a Medalha de Ouro do Município. No mesmo ano, a Biblioteca Municipal Camilo Castelo Branco organizou a exposição «Armando Bacelar e Lino Lima: testemunhos de luta pela liberdade», baseada essencialmente no espólio doado pela família de Bacelar à mesma instituição pública famalicense.
Foi um dos cerca de 120 advogados dos presos políticos da ditadura do Estado Novo, que foram homenageados na Assembleia da República, em janeiro de 2014, pelo Movimento Cívico Não Apaguem a Memória.