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Fernando Vicente

Fernando Vicente
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Data da primeira prisão

Filho de Maria do Carmo e de Albino Vicente, Fernando Vicente nasceu no lugar de Paul, Torres Vedras, em 24 de abril de 1914.
Segundo artilheiro da Armada, foi um dos reorganizadores da Organização Revolucionária da Armada [ORA] no início de 1936, depois das prisões dos principais dirigentes comunistas no ano anterior, participando em reuniões preparatórias da sublevação dos marinheiros e foi considerado um dos sete praças e marinheiros que dirigiram a revolta em 8 de Setembro de 1936, com intervenção direta no contra-torpedeiro Dão, a cuja tripulação não pertencia.
Preso pelo Comando Geral da Armada, Fernando Vicente foi entregue à Secção Política e Social da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado em 11 de Setembro de 1936, seguiu para uma esquadra incomunicável e, em 18 do mesmo mês, entrou na Cadeia Penitenciária de Lisboa, onde prestou declarações datadas de 23.
Segundo aquelas, entrou para a Organização no início do ano e integrou o seu Secretariado, juntamente com Armindo de Almeida (1.º artilheiro do Bartolomeu Dias), João Faria Borda (2.º artilheiro do Bartolomeu Dias), João Henrique Casanova (dispenseiro do Gil Eanes) e Tomás Batista Marreiros (1.º fogueiro do Dão). A ligação ao PCP era feita «por intermédio dum delegado que estava permanentemente em contacto com qualquer dos membros do Secretariado».
O Secretariado era responsável pela publicação do órgão "O Marinheiro Vermelho", que teria uma tiragem de cerca de 500 exemplares, publicando informações relativas a assuntos da Armada, enquanto os artigos doutrinários eram da responsabilidade do PCP. Os exemplares chegavam-lhe através de Armindo de Almeida e de João Faria Borda, dividindo-os, depois, pelos delegados José António Filipe (1.º artilheiro do aviso Pedro Nunes), Francisco Serafim Rebelo (1.º artilheiro do aviso Afonso de Albuquerque) e Manuel (cozinheiro do torpedeiro Mondego). 
No dia sete de Setembro, foi avisado por João Faria Borda que haveria uma reunião às dezanove horas, “para resolverem a questão havida na Armada, pelo facto de terem sido expulsas algumas praças do aviso «Afonso de Albuquerque»”, tendo também participado naquela Armindo de Almeida, João Henrique Casanova, José António Filipe, Tomás Batista Marreiros e o cozinheiro Manuel, proprietário da casa, para além do delegado do Partido Comunista e, talvez, um dos ex-marinheiros do Afonso de Albuquerque.
Decidiu-se, então, fazer uma revolta a bordo dos navios Afonso de Albuquerque, Bartolomeu Dias e Dão, «os quais deviam sair a barra, e seguidamente dirigir-se a Peniche a fim de soltar os presos ex-marinheiros que se encontravam na Fortaleza dessa terra e tomar seguidamente o rumo que julgassem por mais conveniente, chegando-se até a falar vagamente na Madeira».
Às duas horas da manhã do dia 8 de setembro, o gasolina do Afonso de Albuquerque recolheu no Cais do Sodré os ex-marinheiros e marinheiros envolvidos, dando início à revolta, tendo Fernando Vicente sido largado no contra-torpedeiro Dão. De manhã, perante o fracasso do movimento, dirigiu-se num gasolina a Cacilhas a fim de ser tratado no posto dos Bombeiros Voluntários ao braço partido, sendo detido, à saída, pela Guarda Nacional Republicana e levado preso para o Forte de Almada.
Julgado pelo Tribunal Militar Especial em 13 de outubro de 1936, Fernando Vicente foi considerado, juntamente com João Faria Borda, Joaquim Gomes Casquinha, José Jacinto de Almeida e Tomás Batista Marreiros, um dos dirigentes da Revolta dos Marinheiros e condenado a seis anos de prisão maior celular, seguidos de dez anos de degredo ou, na alternativa, na pena de vinte anos de degredo em possessão de 2.ª classe.
Seis dias depois, Fernando Vicente embarcou no cargueiro Luanda a caminho do Tarrafal, de onde só sairá em 28 de junho de 1953, com uma mala carregada de livros, mas para dar entrada no Forte de Peniche, onde entrou às 11 horas da manhã do dia 6 de julho de 1953. 
Muito respeitado, segundo informações de 28 de dezembro de 1956 do próprio Luís Fernando de Mesquita Patacho, Chefe de Brigada da PIDE, os companheiros tratavam-no pela alcunha de "paizinho".
Em Peniche, Fernando Vicente reencontrou João Faria Borda e Joaquim Casquinha, tendo os três sido libertados na véspera do Natal de 1953, para grande alegria de todos os outros camaradas de prisão, como Agostinho Saboga, António Dias Lourenço, Carlos Pinhão e Joaquim Campino, entre muitos outros (ver documentos anexos)
Preso aos 22 anos e libertado quando tinha 39, cumpridos mais de 17 anos de encarceramento, Fernando Vicente regressou a Paul, onde retomou a militância clandestina no Partido Comunista, apesar de vigiado pela PIDE, e construiu uma família. 
A filha guarda, passados estes anos todos, uma imagem muito feliz deste pai que, como preso político, não podia tirar a carta de condução, levava, por vezes, "minha mãe, eu e o meu mano... todos na pasteleira do Paul a Torres, 7/8 km", ou quando, na "nossa casa, amanhava a nossa horta, jantava e jogava o jogo da malha, desenhado na tijoleira, connosco".  
Em um outro Relatório de um agente da PIDE, datado de 27 de janeiro de 1957, é dado conta que Fernando Vicente trabalhava em Torres Vedras, nas oficinas da empresa de camionagem de João Henriques.
Mas Fernando Vicente não interrompeu a militância comunista e, já muito doente, foi novamente preso em 18 de setembro de 1963, levado para o Aljube e, em 20 de Fevereiro de 1964, transferido para Caxias, de onde foi libertado em 14 de Março.
Quando da segunda prisão, Fernando Vicente foi barbaramente torturado, sujeito à tortura do sono e da estátua durante cerca de onze dias. Quando a mulher, Otília Alice Machado Vicente, a filha, então com nove anos, e um tio, já idoso, o foram visitar ao Aljube, «parecia um bicho todo inchado, lábios mordidos e a sangrar, desfigurado». Finda essa primeira visita, e quando os familiares se preparavam para sair, foram acusadas de ter apanhado um papel deitado pelas grades. Então, a mulher e a filha, em pânico, foram fechadas numa cela e revistadas de forma humilhante por uma agente de «saia travada, sapatos pretos de salto alto e cabelo ao alto, preto». O tio de Fernando Vicente também foi, temporariamente, encerrado numa cela e quando saiu «parecia um mendigo», com o «fato e casaco castanho completamente roto de cima abaixo!».
Fernando Vicente faleceu em 22 de janeiro de 1965, quando ainda não tinha completado os 51 anos e dois dias depois de a mulher festejar o aniversário, tendo o funeral tido lugar no dia 24, no Cemitério de S. João, em Torres Vedras.
Segundo a filha de Fernando Vicente, num ato de enorme generosidade e solidariedade, o pai de Guilherme da Costa Carvalho «durante anos dava uma mesada à minha Mãe para ajuda do sustento familiar».
Um ano após a sua morte, realizou-se uma romagem ao cemitério, a qual foi «interrompido pela polícia de choque com cães-polícias que irromperam no local empurrando dezenas de pessoas e pisando sepulturas sem qualquer respeito», segundo recorda Manuel Fernandes (URAP). Muitas outras evocações se seguiram, antes e depois de Abril de 1974.