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Rui Manuel Pires de Carvalho d'Espiney

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Data da primeira prisão

Sociólogo e pedagogo. Referência da luta antifascista, dirigente da Comissão Pró-Associação dos Liceus na crise académica de 1962, Rui D’Espiney fundou em 1964, com Francisco Martins Rodrigues e João Pulido Valente, o primeiro movimento maoista português. Preso pela PIDE, barbaramente torturado, julgado e condenado, só foi libertado no dia 27 de abril de 1974.
Rui Manuel Pires de Carvalho d’Espiney nasceu em Moçambique, na Cidade da Beira, a 6 de agosto de 1942 e faleceu em Setúbal, a 28 de abril de 2016.
Foi militante do Partido Comunista Português até 1962, quando, numa rutura maoista, o abandonou com Francisco Martins Rodrigues. As suas divergências com o PCP tinham começado em 1958 mas, até 1962, Rui D’Espiney manteve-se nesse partido, na expectativa de ver alterações nas formas programáticas de ação. Aí desempenhou um papel fundamental no recrutamento e organização de centenas de jovens estudantes liceais e universitários que influenciou profundamente com a sua energia combativa.
Com o agravamento do conflito sino-soviético, e sem resposta para as suas opções ideológicas, parte para o exílio na perspetiva de encontrar alternativas que, para muitos jovens dessa época, consistiam essencialmente no recurso à luta armada contra o regime, ao contrário do que, então, o PCP defendia, no desenvolvimento do combate contra a guerra colonial e, também, numa perspetiva mais geral de reforço da luta contra o imperialismo e o revisionismo.
Rui d’Espiney estava na altura exilado em Argel e, segundo uma entrevista que deu à RTP após o 25 de Abril, a sua ideia era «formar uma frente para levar a cabo a luta armada e um comité para fazer fermentar as ideias daqueles que se consideravam comunistas de extrema-esquerda. A FAP seria a organização que iria, de algum modo, responder ao imperativo de resposta armada à repressão ditatorial e do fascismo».
A partir de janeiro de 1964, Francisco Martins Rodrigues, João Pulido Valente e Rui D’Espinay criam em Paris a FAP-Frente de Acção Popular Anti-Fascista e, em abril desse ano, o CMLP-Comité Marxista-Leninista Português. Nessa circunstância, multiplicam os apelos à criação de GAP’s- Grupos de Acção Popular, com vista à organização de brigadas de ação armada para preparar e intervir na «insurreição popular». Deste modo, surgem na luta política organizações políticas que se situam à esquerda do PCP.
Em junho de 1965, Rui d´Espiney regressa clandestinamente a Portugal, vindo da Argélia, juntando-se a Francisco Martins Rodrigues e João Pulido Valente. Em outubro desse ano, João Pulido Valente é preso pela PIDE, seguindo-se, no início de 1966, Francisco Martins Rodrigues e Rui d´Espiney. Foram submetidos a um tratamento brutal. Fonte médica informou disso o correspondente da Associated Press em Lisboa, Dennis Redmond, que fez chegar aos jornais “The New York Times, “International Herald Tribune” e “Le Monde” uma notícia chocante sobre as torturas que lhes haviam sido infligidas. Sendo distribuída em inglês, francês e outras línguas, e não sujeita à censura, como acontecia com a imprensa portuguesa, a notícia teve um enorme impacto no mundo e no país.
A informação sobre a tortura do jovem D´Espiney desencadeou na Universidade manifestações estudantis de solidariedade contra a brutalidade da polícia. A PIDE convocou aquele jornalista, obrigando-o a refugiar-se na Embaixada dos Estados Unidos; só depois, com proteção diplomática, se dirigiu à Rua António Maria Cardoso e ali foi interrogado. O facto de ter havido repórteres estrangeiros que se interessaram pelo caso terá frustrado o plano inicial da PIDE que apontava para a liquidação sumária daqueles presos, como havia feito pouco antes ao general Humberto Delgado.
RUI D’Espiney foi julgado e condenado por ter participado na execução de um informador da PIDE infiltrado na organização e também acusado de ter colocado explosivos em vários objetivos. Veio a ser condenado a 19 anos de cadeia. Nunca se considerou um assassino, mas sim “um guerrilheiro na clandestinidade”. Em entrevista concedida ao jornalista da Associated Press acima referido, em sua casa, pouco tempo antes da sua morte, Rui d´Espiney falou longamente sobre a tortura de que foi sendo vítima durante os nove anos de prisão, especialmente antes do julgamento. Fora atirado insistentemente contra a parede e, por vezes, obrigado a ficar imóvel numa posição de estátua. A dada altura, os agentes haviam feito entrar a sua mulher e companheira de luta, que fora igualmente detida, e ela não tinha sido capaz de o reconhecer, tantas eram as nódoas negras e o sangue que tinha na cara. 
Rui d’Espiney nunca abordou publicamente a execução do infiltrado Mário Mateus. Na entrevista à RTP, Rui d’Espiney justificou esse silêncio com o facto de ter amigos que não conheciam essa parte da sua vida e que não desejava falar sobre isso. Apenas disse: «Os autores do crime de Belas (um dos quais eu próprio) foram presos pela PIDE, meses depois, e condenados a longas penas de prisão. Só não as cumprimos na totalidade porque, oito anos mais tarde, o 25 de Abril nos abriu as portas do forte de Peniche»
Rui d’Espiney apenas foi libertado no dia 27 de Abril de 1974, dada a oposição do general Spínola. Não chegaria a rever a sua filha, que, vítima de cancro, morreria em Londres na véspera. 
Depois de ser libertado, Rui d’Espiney trabalhou com cooperativas agrícolas, grupos de ativismo social junto de minorias e ligados ao ensino. Muitos dos seus colegas de trabalho não conheciam o seu passado. 
Foi dirigente do CARP m-l, posteriormente da ORPC m-l e, em 1975, do Partido Comunista Português (Reconstruído)-PCP (R). Participou na formação da UDP (em 1974-75) e chegou a ser seu dirigente. 
Porém, depois dos anos da Revolução, a sua vida centrou-se em outra atividade, que exerceu com entusiasmo e empenhamento, até ao seu falecimento, e que muito o prestigiou na região de Setúbal. 
Era sociólogo, pedagogo, impulsionador e coordenador de projetos, nacionais e internacionais, de desenvolvimento educativo e comunitário, com destaque para a formação contínua de professores, tendo sido um dos responsáveis pelo início da formação básica de professores na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Setúbal. Na vertente formativa para professores, Rui d’Espiney foi co-fundador do projecto ECO e co-fundador do projecto internacional ADELE – Associação para o Desenvolvimento Educativo Local na Europa, além de fundador do Instituto das Comunidades Educativas, a 15 de julho de 1992, do qual foi dirigente até falecer.
Vivia em Setúbal, num apartamento parcamente mobilado numa zona operária de classe média-baixa. 
O repórter da agência norte-americana Associated Press, que o entrevistou pouco tempo antes da sua morte, e 50 anos depois de ter revelado na grande imprensa internacional as torturas a que ele fora submetido, reteve desta entrevista uma frase que o impressionou: «Há sempre corredores de liberdade, até nas prisões de alta segurança». 
Faleceu a 28 de abril de 2016, vítima de cancro.