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Ulpiano da Fonseca Nascimento

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Data da primeira prisão

Economista insigne, Ulpiano Nascimento perseguiu uma luta sem tréguas pelo "trabalho com direitos" e por um Portugal desenvolvido e soberano. Homem de forte personalidade, cidadão que tomava partido contra tudo o que considerava injusto, foi admirado pela sua constante e enérgica acção como antifascista e anticolonialista, que se batia pela liberdade em Portugal e solidarizava com as lutas dos povos oprimidos. Participou ativamente nos combates contra o regime de Salazar, o que acabaria por conduzi-lo à prisão. Teve de exilar-se quando se viu perante a impossibilidade de continuar a exercer a actividade profissional em Portugal.
Foi colaborador e Director da Revista Seara Nova. 
Ulpiano da Fonseca Nascimento, nasceu em Bonfim (Porto) e licenciou-se em Economia no ISCEF (Lisboa). Ainda estudante, quer no Instituto Comercial de Lisboa, quer depois no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, onde viria a licenciar-se em Economia, cedo se sentiu atraído por ideias progressistas e contrárias à política da Ditadura. Foi nesse período que ganhou consciência "da acção castradora do regime fascista conduzido por Salazar", a quem responsabilizou por "tudo o que aconteceu nesse odioso período, nomeadamente pela estagnação económica que se projectou implacavelmente nas injustiças, na incultura, nas assimetrias regionais, nos níveis de vida de subsistência, em que os trabalhadores para fugirem à pobreza e ao medo acabavam por emigrar em massa".
A sua intervenção antifascista começou na juventude, ligando-se à Comissão dos Economistas do MUD, convidado pelos amigos Ramos da Costa, Jorge Alarcão e José Leitão, e à Campanha de Norton de Matos (1949). Bento de Jesus Caraça integrava o quadro docente do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, como Professor de Matemática, quando Ulpiano Nascimento ali fez os estudos superiores. Em entrevista publicada na Vértice, em 1990, Ulpiano realça a influência de BJC na sua formação. Depois, a sua formação de economista particularmente atento a um desenvolvimento ao serviço do homem e da justiça social iria revelar-se na colaboração com Bento Jesus Caraça na Revista de Economia.
Foi dirigente sindical, de 1950 a 1959, no Sindicato Nacional dos Comercialistas. 
Preso por atividades subversivas em 17 de janeiro de 1959, ficou alguns meses na cadeia do Aljube e, julgado em Tribunal Plenário em 1960, foi condenado a 20 meses de prisão e suspensão de direitos políticos durante 5 anos, pena que cumpriu no Forte de Caxias.
Em 1961 ligou-se à revista Seara Nova, motivado pela necessidade de «desmentir a propaganda do Estado Novo e de denunciar a política anti-social da ditadura».
Na sequência da repressão de que fora alvo, Ulpiano Nascimento viu-se obrigado a abandonar o país. Saíra da prisão sem um tostão na algibeira e, com a prisão, extinguira-se o seu estatuto de funcionário público. A sua vida sofrera então profundas alterações, que o levaram a lançar mão de tudo para ganhar o pão de cada dia. «Confortava-me sentir à minha volta uma certa solidariedade. De quando em quando aparecia-me trabalho, uma ou outra tarefa que me dava algum dinheiro. Aconteceu, porém, que havia também solidariedade lá fora». Fidelino Figueiredo (filho) na CEPAL e Jorge Alarcão na FAO, empenhados em ajudá-lo, conseguiram que fosse convidado para fazer parte de uma equipa de técnicos para actuar na América Latina na área do desenvolvimento económico. Em 1962, parte rumo a Santiago do Chile. Trabalhou então como consultor e técnico na Comissão Económica para a América Latina (CEPAL) em Santiago do Chile e em vários países da América Latina e Caraíbas. Três anos mais tarde, convidaram-no para trabalhar na FAO. Essas funções, que desempenhou com reconhecida competência, permitiram-lhe analisar "in loco" a relação entre os processos de subdesenvolvimento e a conivência entre as ditaduras e as oligarquias locais, com o imperialismo. Os trabalhos que realizou em condições por vezes dramáticas (São Domingos, Paraguai) evidenciaram a fraternidade que marcou sempre a sua postura e a sua acção. Nesse quadro, desempenhou missões de alta responsabilidade em países como a Argentina, o Brasil e o Uruguai, relacionadas com o desenvolvimento do sector pesqueiro e assessoria às administrações nacionais.
Entretanto, colaborou em atividades de apoio às forças de oposição ao regime ditatorial vigente em Portugal e na mobilização de movimentos italianos de solidariedade com a luta do povo português. 
Apenas regressou a Portugal após 25 de Abril de 1974.
Ulpiano Nascimento empenhou-se na construção da Democracia, com entusiasmo, dedicação e reconhecida competência. Depois de ter sido director da Direcção-Geral do Planeamento e Fomento das Pescas, ocupou a secretaria de Estado das Pescas no V Governo Provisório dirigido pelo General Vasco Gonçalves. Contribuiu com a sua enorme experiência para a extinção do sistema corporativo e para a sua reestruturação, em moldes compatíveis com os novos tempos. Em momentos difíceis, a sua vontade e a compreensão das situações mostraram-se decisivas para o sucesso das iniciativas então tomadas para reactivar este importante sector da economia nacional.
Como escreveu João Caraça, Ulpiano Nascimento, “Diretor da Seara Nova desde 1978, animou como ninguém os debates sobre a globalização das finanças, da economia e das nossas sociedades, preocupando-se com a sua compreensão científica, bem como com as práticas relevantes para a utilizar como etapa de emancipação e não como uma submissão a interesses inconfessáveis. Sabia comunicar a sua alegria intelectual aos que com ele conviviam, mas as questões pedagógicas e de circulação da informação e do conhecimento eram-lhe muito caras. O entusiamo com que voltou à Seara Nova para o seu projeto de intervenção são disso a prova mais cabal” – contribuindo, de modo determinante, para proteger e relançar a Revista.
Ulpiano Nascimento faleceu em sua casa, aos 97 anos, militante da Associação Intervenção Democrática (ID), director da Seara Nova, autor de uma vida que fazia da verticalidade inquebrantável a prática e o sentido da sua vida pública.