Carlos António Dantas Tavares nasceu a 11 de Junho de 1946 na ilha Brava, de onde o pai, médico, era natural. A mãe era de S. Nicolau. A família viveu alguns anos em Angola e terá sido aí que Carlos, ainda criança, terá ganho a sua “consciência nacionalista”, devido à forma como “os angolanos eram maltratados pelos portugueses”.
Fez a instrução primária em Lisboa, regressando em 1958 a Cabo Verde, S. Vicente. Aí conviveu com amigos mais velhos, que falavam de luta anticolonial, PAIGC, Amílcar Cabral. Aos 17 anos, sozinho em S. Vicente – “os meus irmãos todos já tinham embarcado (…) o meu pai morreu tinha eu 15 anos e a minha mãe morreu eu tinha cinco” – pensou emigrar, mas “havia uma lei que dizia que os mancebos que fossem fazer 18 anos não poderiam embarcar sem fazer a tropa”. Desempregado, acabou por conseguir um lugar de professor primário: “Apareceu-me um lugar em Santo Antão, na Ribeira da Torre, e aí conheci o Lineu Miranda, através do qual estreitei as minhas relações com o PAIGC.”
Virá a ser preso em Cidade da Praia, no mesmo dia em que Lineu Miranda e Jaime Schofield foram presos em Santo Antão, 24 de Outubro de 67. A prisão não o surpreendeu: “Em Setembro de 1967 concorri de novo para professor eventual e saiu um despacho no Boletim oficial dizendo que Carlos António Dantas Tavares e Jaime Bem Hare Soifer Schofield não foram admitidos por não oferecerem garantias aos interesses superiores da Nação. Eu disse: “Estou liquidado.” Em Outubro fui preso.”
Só dois anos depois, em Outubro de 1969, viriam a ser julgados. Inicialmente condenados a dois anos e meio de prisão, viu a sentença ser aumentada para quatro anos e medidas de segurança – a mesma aplicada a Jaime Schofield e Luís Fonseca, que fora preso em S. Vicente dois meses após a sua prisão. Em Março de 1970 dão entrada no Tarrafal. “Ainda pensámos na altura que ia ser a continuidade com ligeira melhoria. (…) Mas na realidade foi pior. E foi pior principalmente por causa do diretor, o Dadinho Fontes.(…) É que o Dadinho Fontes era cabo-verdiano. Tinha necessidade de mostrar ao regime que era patriota.” (…) “Às vezes mandávamos pedir à família vitaminas e eles retiravam. E no que diz respeito ao tratamento médico, qualquer que fosse a doença, a medicação era aspirina. De modo que em comparação com a Cadeia Civil, a nossa situação no Tarrafal piorou incomparavelmente.”
Começaram por estar no mesmo lado do campo que os presos angolanos, o que lhes permitiu alguns contactos, nomeadamente com o escritor António Cardoso, colocado por castigo numa cela disciplinar próxima das suas. Mas quando um jovem preso angolano tentou fazer-lhes chegar um bilhete atirando-o através das grades e foi visto pelos guardas, foram mudados para o outro lado do campo, onde estavam os presos comuns.
Em Agosto de 1970, chega um novo grupo de presos cabo-verdianos, ligado à tentativa de desvio do barco “Pérola do Oceano”: “A maior parte deles eram rapazes de muito baixo nível de instrução, alguns nem tinham a quarta classe, de modo que fomos nós que lhes fomos ensinando a ler.” Carlos Tavares também estudava, tentando completar o sétimo ano, e Jaime Schofield tentava fazer uma disciplina que lhe faltava.
Entretanto, foram conversando com os guardas e conseguiram aliciar dois: “Conseguimos através deles alguma literatura.” Conseguiram também receber um pequeno rádio: “A Fernanda levou aquilo ao Luís, através de um guarda que nos deu depois o rádio. O Luís tinha um auscultadorzinho, e a coberto de ter que se defender dos mosquitos (…) cobria com um lençol, ficava lá dentro a ouvir o noticiário. No dia seguinte nos transmitia as notícias que tinha ouvido e foi através desse aparelho que ficámos a saber da morte de Amílcar Cabral. (…) Um mês depois (20-02-1973) nós três – eu, Luís Foseca e o Jaime Schofield – saímos. O Lineu continuou e veio a sair a 1 de Maio de 1974.”
Os que saíram puderam arranjar emprego, mas com um aviso: “Se vocês se metem em chatices, como saíram com medidas de segurança durante três anos, neste período vocês voltam a entrar, agora não três mas a dobrar.”
Gostaria que o Tarrrafal fosse preservado: “Todos os povos precisam das suas referências e esta é uma referência importante para Cabo Verde. Se somos hoje um país independente, as novas gerações precisam saber que elas hoje são o que são graças a gente como nós, que passou pelo Tarrafal.”
Texto e fotografia a partir de "Tarrafal-Chão Bom, Memórias e verdades", de José Vicente Lopes, a quem agradecemos.