Armando Ferreira da Conceição Júnior nasceu em Luanda, a 22 de novembro de 1926, , filho de Armando Ferreira da Conceição e de Maria Custódio da Silva. Funcionário das Finanças, uma visita a um tio que vivia em Leopoldville, em 1954, fá-lo mudar-se para o Congo, onde consegue emprego no Consulado Geral de Portugal. Ligado ao grupo independentista "Espalha Brasas", elo de ligação entre os membros do grupo em Angola e o exterior, é preso em 1959, na sequência das prisões havidas em Luanda:
“Numa certa manhã apareceu-me um comissário de polícia e alguns soldados em minha casa. Disseram-me que traziam um mandato para fazer uma busca e depois levar-me para um interrogatório na polícia. (…) Não me fizeram nenhum interrogatório, puseram-me num quarto. Depois (…) levaram-me para a cadeia, onde estive oito dias, também aqui não me interrogaram, não me fizeram nada. (…) Depois de uns quatro dias apareceu um carro celular que me leva ao tribunal, onde estive cerca de duas horas à espera. Depois pegaram em mim e levaram-me de novo para a cadeia, onde estive mais quatro dias, e oito dias depois vieram-me buscar. Na véspera disseram-me: “Você terá que ir a casa despedir da sua mulher, ponha alguma roupa na mala, porque você vai para a sua terra.” (…) No dia seguinte, por volta das 10 horas, foram buscar-me e levaram-me para o aeroporto.”
(…) “Em Luanda, desembarquei, cumpri as formalidades da migração, por trás de mim já estava o Reis Teixeira que logo que fiquei desembaraçado apresenta-se: “Polícia Internacional de Defesa do Estado, subinspetor Reis Teixeira.” Eu fiquei logo assustado. Apareceu o motorista e um agente: “Leve esse homem para a Direção”. (…) Quando cheguei estava o inspetor-chefe, São José, e começaram logo a me espancar, a maltratar, chamando-me nomes, havia sangue, insultos aos angolanos de todas as maneiras, “estão convencidos que vão conseguir fazer alguma coisa, nós temos muita força. Estão convencidos com o Gana, se for preciso nós avançamos para lá.”
“Passei todo o dia lá, depois deram-me papel e lapiseira para escrever o que tinha feito, etc., etc.. Praticamente não escrevi nada. De madrugada pegaram em mim e levaram-me para a cadeia de S. Paulo onde estavam os outros presos. Fui submetido a vários interrogatórios.” (…) Tivemos a sorte de o homem que nos ia levar a comida, quando se apercebeu do que se estava a passar, fazia a ligação com outros presos e até com a família lá fora. No início tivemos receio, mas depois vimos que ele era de confiança.”
“Com o nosso julgamento, o povo angolano ficou a saber da nossa existência. O julgamento foi próprio de um tribunal e de uma polícia de bárbaros, e que inclusivamente nós, os réus, tínhamos por trás de nós soldados com metralhadoras. (…) Era para nos intimidar, mas não fomos para o tribunal tímidos. Aí dissemos que queríamos a independência de Angola. Eles ficaram embasbacados com a nossa firmeza.”
Defendido pela advogada Maria do Carmo Medina, foi condenado a 7 anos de prisão, mas acabou por estar preso 12 anos, “por causa das medidas de segurança. De três em três anos era avaliado e aplicavam-me mais anos.”
Integrou o primeiro grupo de angolanos a chegar ao Tarrafal, em Fevereiro de 1962. Recorda que, quando os mandaram ficar nus e sentados no chão, Florêncio Gamaliel Gaspar se levantou e disse: “Senhor diretor, desculpe, mas aquele velho ali (Sebastião Gaspar Domingos) é meu pai, tenho o pudor e o respeito de não me despir diante dele”, e o diretor respondeu: “Não quero saber, nem quero ouvir mais nada, trate de tirar a roupa.”
Afirma que “o que nos foi aguentando foi o moral que tínhamos, estávamos decididos que era a independência que nós queríamos.” Com o tempo, conseguiram entrar em contacto com os guardas cabo-verdianos, que lhes davam notícias da luta: “Quando morre o sobrinho do Mendes de Carvalho (Hoji ya Henda) eles é que o avisaram.”
No Tarrafal conviveu com dois diretores, Queimado Pinto e Dadinho Fontes – e embora recordando “as atitudes psicológicas do Queimado Pinto, de querer abater o nosso moral”, não tem dúvidas que “a gestão mais terrível foi a do Dadinho”: “Talvez agisse como agia por ser cabo-verdiano. Achava que se fosse mole connosco ele próprio acabasse por ser punido ou afastado do Tarrafal.”
Foi o último do grupo a sair e, embora enviado via S. Vicente, consegue chegar a Lisboa, onde se encontra com outros presos com quem tinha estado no Tarrafal, Ilídio Machado e Manuel dos Santos (Capicua). Foge depois para França, volta a Lisboa após o 25 de Abril e regressa a Angola na véspera da independência. “ E quem é que vou encontrar no aeroporto? O António Jacinto, que me recebe com abraços e me leva com ele.”
Retoma a sua vida de funcionário das Finanças e exerce o cargo de diretor na Direção de Emigração e Fronteiras de Angola. Afirma: “Valeu a pena fazer o que fiz, só com este sacrifício é que hoje estamos a ver frutos.”
Texto e fotografia a partir de "Tarrafal-Chão Bom, Memórias e verdades", de José Vicente Lopes, a quem agradecemos.
Entrevista (excerto) de Armando Ferreira da Conceição Júnior realizada por São Neto, em Luanda, a 17-12-2013, no âmbito do projeto "Angola – Nos Trilhos da Independência