banner

 

Aurora Rosa Salvador Rodrigues

006439
29097
Data da primeira prisão

Magistrada do Ministério Público em Évora, Aurora Rodrigues, ex-militante do MRPP, foi um dos muitos presos por delito de opinião no tempo da ditadura. Submetida, em sucessivos longos períodos, à tortura do sono, terá sido dos estudantes mais brutalmente torturados pelo regime fascista. A sua coragem e o seu desassombro fizeram-na, certamente, surgir aos olhos da ditadura e da polícia política como uma provocadora, tal a sua capacidade de afrontar os torturadores e de resistir à violência e à brutalidade com que foi tratada.

Nascida em 20 de Janeiro de 1952, em Vale da Azinheira, Minas de São Domingos, no Alentejo, e filha de um anarco-sindicalista, Aurora Rodrigues matriculou-se na Faculdade de Direito de Lisboa, em 1969/70, com 17 anos.

Abordada pelo PCP, preferiu colaborar com o MRPP, fundado em 1970, pois considerava este movimento mais abertamente contra a guerra colonial, mas só aderiu formalmente depois de ver de perto o também estudante Ribeiro dos Santos ser assassinado pela PIDE.

Foi presa a 3 de Maio de 1973, nas traseiras da Faculdade de Letras, após um meeting de estudantes, e levada para Caxias, onde iria ser, do princípio ao fim, mantida em regime de rigoroso isolamento. A PIDE submeteu-a a longos períodos de tortura do sono, acompanhada de espancamentos bastante violentos, para além de toda a espécie de vexames e ameaças, que faziam parte da técnica da PIDE/DGS para coagir os presos a «colaborar». (As torturas a que Aurora foi submetida evidenciaram a escalada de violência da PIDE/DGS no final do regime, passadas as ilusões de abertura deste e de abrandamento da repressão nos primeiros tempos do marcelismo).

Foi libertada ao fim de três meses, sem acusação, sem ir a julgamento, sem lhe ser permitido contacto com um advogado.

Abandonou o MRPP em 1977 e não voltou a ter qualquer militância partidária.

Aurora Rodrigues aceitou, em 2009, reconstruir a sua experiência de oposicionista à ditadura e de prisão pela PIDE. «Gente Comum - Uma História da PIDE» é um peculiar e impressionante testemunho e um importante livro de história oral, organizado pelo historiador António Monteiro Cardoso e pela antropóloga Paula Godinho. Numa edição apoiada pela Associação Portuguesa de Mulheres Juristas e pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, o livro apresenta textos de enquadramento dos dois investigadores, que servem de introdução a um envolvente e marcante depoimento na primeira pessoa feito por esta antifascista. Um relato de memória que a própria justifica: «Acho importante contar o que me aconteceu, porque existe a ideia de que só eram presos e torturados grandes políticos, esquecendo-se que também o eram pessoas comuns, que era aquilo que eu era, sempre fui e ainda sou. Às vezes, leio aqueles livros sobre grandes figuras míticas que foram torturadas e não falaram, mas a verdade é que não foram só eles. Muitas pessoas comuns que se opunham ao regime, por uma razão ou por outra, foram torturadas e conseguiram resistir e nisso não há nada de extraordinário. (...) O medo existe sempre e nisso não há nada de extraordinário.»

As suas vivências foram idênticas às de muitos presos e tocam, particularmente, a sensibilidade de quem passou pelas prisões fascistas: «Tentei fazer um espelho com pratas, mas não dava. Nunca me vi a um espelho lá dentro e sentia falta de me ver. Vi-me algumas vezes, mais tarde, em reflexo, num plástico transparente duma espécie de janela da porta divisória da cela, quando estava em contra-luz.»

Num comentário no Grupo Fascismo Nunca Mais, Aurora Rodrigues disse: «O que a minha mãe sofreu e a força que me transmitiu, com imensa coragem e consciência! Não vergaram a minha mãe. Nunca. Uma mulher que apenas andou à escola até à 3ª classe, mas que me escrevia cartas e postais em que o afecto e a cumplicidade se traduziam numa escrita cuidada e onde não faltaram nunca os abraços, os beijos, os cumprimentos de toda a gente para que eu soubesse sempre que não estava sozinha e que a luta que estava a travar era de todos».