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Firmiano Cansado Gonçalves

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629
Data aproximada da primeira prisão
1935

Foi um combativo lutador antifascista, vítima da repressão nos tenebrosos anos da Ditadura. Um pedagogo, um homem de grande carácter, de temperamento apaixonado, muito amado por companheiros, alunos e por quem o conheceu e lhe recorda o nome com grande saudade. 
Firmiano Cansado Gonçalves nasceu a 3 de Abril de 1903, faleceu em 22 de Março de 1984. O seu primeiro nome, Firmiano, era quase desconhecido - os amigos e até a família tratavam-no por António, do mais conhecido pseudónimo que usou, António Fazenda. Nasceu em Vila Alva, Cuba, o pai era farmacêutico e republicano, perseguido pelas suas ideias, teve se refugiar em Ervidel onde a família viveu até aos seus 6 anos, idade em que perdeu o pai, vítima de pneumonia. Esse horrível desgosto foi aumentado porque a sua mãe, ainda muito nova, voltou a casar pouco depois e o padrasto era um homem que o tratava, a ele e ao irmão, sem qualquer carinho e até com grande brutalidade.
Começou a trabalhar ainda quase criança, aos 14 anos, numa loja em Baleizão não por falta de dinheiro na família mas porque o padrasto o queria afastar da mãe. Assim que pôde, viajou para Lisboa, sozinho, na esperança de arranjar trabalho e de continuar a estudar. Com ingenuidade imaginava que, como já se vivia em República, o passado político do pai o ia ajudar. Mas os amigos que no funeral do pai tinham afiançado à sua mãe que o futuro do filho estava assegurado, nem o recebiam. Um brutal choque com a realidade social até que, mal saído da adolescência, conseguiu trabalho como vigilante no Asilo Maria Pia, onde viviam rapazes pouco mais novos do que ele. Foi aí que nasceu a sua vocação de pedagogo que o acompanhou ao longo da vida, alguns dos jovens que ele ajudou passados 60 anos ainda o contactavam com respeito e amizade.
Trabalhando para se sustentar, continuou os estudos e em finais dos anos 20 frequentava a Faculdade de Letras, fazendo parte da Associação Académica e, dedicando-se apaixonadamente às questões sociais, entrou cedo para o Partido Comunista. Em anos de grande perseguição fascista, viveu na clandestinidade, participando muito activamente nas lutas então desencadeadas. Preso várias vezes, esteve no Aljube em isolamento e em Peniche com outros camaradas; por vezes esteve também com presos de delito comum, experiência importante por permitir ver o outro lado e tentar fazer um trabalho diferente na cadeia. Do forte de Peniche saiu em 1935 e voltou quase logo à luta política. Fez parte da direcção do PCP durante cerca de 2 anos – entre o início de 1937 e os finais de 1939 juntamente com Araújo, Sacavém, Magalhães, Ludgero Pinto Basto, Vasco de Carvalho e sobretudo Pavel, por quem manteve sempre uma admiração quase incondicional como o seu temperamento apaixonado justificava, uma vez que os seus afectos eram sempre absolutos, amava e odiava sempre com intensidade.
Era pequeno, franzino de aspeto, mas com uma força interior impressionante. A fragilidade física terá sido uma das causas da tuberculose que quase o matou em início da década de 40, mas a sua resistência fez com que vencesse a doença sem internamento em sanatório, continuando a trabalhar em casa. Uma personalidade que o fazia ver tudo com paixão, com intensidade – ou uma dedicação total, ou uma rejeição completa, não conhecia meio termo.
Nessa época publicou muitos artigos nos jornais Sol Nascente e Diabo, com pseudónimos como António Fazenda, Mário Seabra Novais, sendo o pseudónimo Rui o nome de guerra partidário.
Casou em 10 de Abril de 1937 com Maria de Aguiar Campos Lima, companheira de ideais, filha de João Campos Lima também um enérgico lutador dos direitos dos trabalhadores. Esse casamento era motivo de algumas graças no casal porque ele, asceticamente, considerava que não podia ter qualquer relação amorosa devido ao seu trabalho político, e foi ela, contra tudo o que era uso na época, que o pediu em casamento. Era também uma mulher notável, muito discreta, mas com imensa força interior.
A saída do PCP em inícios dos anos 40 com acusações que o magoaram seriamente, deixou uma ferida profunda. Seguiram-se anos ainda mais terríveis, de grandes dificuldades económicas, por um lado, e de quase asfixia social: odiando o Estado Novo com que não poderia pactuar, estava excluído do grupo político com que se identificava, ficando «apenas» um grupo de amigos incondicionais que sempre o apoiaram e que até ao fim da vida se mantiveram seus amigos.
Concluiu então em Coimbra a licenciatura em Histórico-Filosóficas que tinha interrompido pela actividade política. Mas, com o sufoco económico em que vivia, decidiu sair de Portugal e em 1952 embarca para Moçambique, sem trabalho mas com uma ‘carta de chamada’ de Velez Grilo que lhe permitia imigrar. A sua vida então melhorou: ainda antes de desembarcar já estava contratado para ensinar num colégio e logo de seguida entrou para o Liceu Salazar, onde leccionou até à reforma, em 1973. Uns tempos depois de chegar a Moçambique afastou-se em definitivo de Velez Grilo, não aceitando as suas posições. Nesses 20 anos de África ficou bem conhecido e fez uma enorme quantidade de amigos desde figuras já reconhecidas da cultura que lá viviam, às sucessivas gerações de jovens que foram seus alunos. Gostando imenso de ensinar e temperamento apaixonado, as suas lições muitíssimas vezes continuavam na sua casa, de portas abertas a quem quisesse saber mais e procurasse a sua ajuda.
Em 1973 atinge a idade máxima para a reforma, e despede-se de Moçambique, regressando a Portugal onde tinha a família e raízes. Mas, menos de um ano depois, dá-se o 25 de Abril. Ano de enorme entusiasmo e desejo de participação onde teve o prazer de ser convidado pelos antigos alunos, que à data eram dirigentes da Frelimo, a regressar a Moçambique e dar aulas na Universidade de Maputo. Mas após um ano lectivo, a idade e separação da família pesaram mais e regressou a Lisboa, onde continuou activo, colaborando na Seara Nova, e ainda publicou um livro que tinha na gaveta «A Traição de Salazar», mas outro, tipo romance, «A Aldeia do Ganância» ficou à espera de melhor oportunidade. Acompanhava com interesse apaixonado, como tudo o que fazia, as movimentações políticas da esquerda, mas sem aderir a nenhuma organização.
Faleceu com 80 anos, levado pelo coração, de acordo com a sua vida apaixonada.

Biografia escrita por sua filha, Leonor Neves, para o Grupo Fascismo Nunca Mais.