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Jaime Ben Hare Soifer Schofield

Jaime Ben Hare Soifer Schofield
Data da primeira prisão

Jaime Schofield nasceu em S. Vicente a 27 de Maio de 1939. A morte do pai leva-o a interromper os estudos liceais, para trabalhar como professor primário. A partir de 1965/66 regressa aos estudos para concluir o liceu e, com outros amigos e colegas – Carlos Dantas Tavares, Lineu Miranda – nos finais de 1966 organiza uma célula do PAIGC em Santo Antão, a fim de preparar a guerrilha a partir da ilha. Menos de um ano depois, em 8 de Outubro de 67 os três são presos pela PIDE, seguindo-se, pouco depois, a prisão de um quarto elemento, Luís Fonseca. 
Preso na Cadeia Civil da Praia (Santiago), tal como os restantes, ali aguardou julgamento por cerca de dois anos:
“Nós éramos de Barlavento mas fomos julgados em Sotavento, na Praia. Foi um espetáculo de solidariedade e de curiosidade, com grande impacto. Acho que foi a maior propaganda do PAIGC em Cabo Verde.”
Condenado, tal como Carlos Dantas Tavares e Luís Fonseca, a quatro anos de prisão e medidas de segurança, daria entrada no Campo de Concentração Tarrafal no início de 1970:
“O grupo (eu, o Lineu Miranda, o Carlos Tavares e o Luís Fonseca) chega acompanhado pela PIDE. Fomos recebidos pelos polícias portugueses que faziam a guarda do Campo de Concentração e somos internados.(…) Os muros do Campo da Morte Lenta pareceram-me um verdadeiro e imenso túmulo. Pensei que terminaria ali os meus dias. (…) O Campo impressionou-me pela dimensão e estrutura tumular. Para mais, a receção da PIDE, a entrada na caserna, a brutalidade das pessoas, a obediência canina, o meu pensamento era só: “Daqui não saio.””
Nessa altura tinham sido já reenviados para Bissau os guineenses que tinham estado no Campo:
“Coexistimos com os angolanos, em celas separadas. Depois de um longo período de quarentena, passámos a ter recreios ao ar livre. Com o andar do tempo e conhecimento da organização do Campo, conseguimos estabelecer contactos com os angolanos, quer por nossa iniciativa, quer por parte deles.”
O primeiro com que contactaram foi o poeta António Cardoso:
“Por castigo decidido pelo diretor do Campo, Eduardo Fontes, Cardoso foi enviado para a caserna, com uma parede a meias com a nossa, e lá conseguimos estabelecer contacto, através de pancadas nessa parede com um pau. Cedo descodificou os sons em letras e assim conseguimos estabelecer um contacto regular. (…) O Carlos arranjou uma espécie de bolsa pendurada num ponteiro e, num processo de pêndulo, de janela a janela, passávamos informações e revistas.(….) Houve uma altura em que o António precisava de remédios. O Lineu foi à consulta médica e queixou-se dos mesmos males do poeta. Obtidos os remédios, eram remetidos com toda a segurança para o Cardoso através da invenção do Carlos.”
Mais tarde, já depois da chegada de um novo grupo de angolanos, um guarda-auxiliar apercebeu-se dos contactos, e os cabo-verdianos foram transferidos para o outro lado do campo, o dos chamados presos de delito comum.
Entretanto, ao grupo dos quatro somam-se mais 13, da ilha de Santiago. E todos se organizam para resistir à “morte lenta” que pretendiam impor-lhes:
“O nosso dia-a-dia era completamente preenchido: cuidávamos da higiene da cela, lavávamos os pratos dos 17 - quatro de Barlavento e 13 de Santiago. Limpávamos a cela, transportávamos a água para os depósitos de bidões, organizámos os estudos, quem não tinha a quarta classe completou a escola primária. Quem não tinha completado o liceu prosseguiu a superação. Fazíamos artesanato e ginástica, uma vez por semana lavávamos a nossa roupa. E graças a isso tivemos uma boa qualidade de saúde, quer melhorando a comida, quer com aquilo que a família podia enviar.”
“Em relação à superação académica, organizámo-nos também em função das capacidades e saberes de cada um. Eu dava aula de primária e do ciclo, o Luís Fonseca de Inglês para mim e para o Carlos, e este de Matemática, Física e Química. O Lineu Miranda, como era professor, lá ia organizando a “escola”.”
Contaram, também, com a solidariedade de alguns guardas e funcionários:
“Havia polícias cabo-verdianos que estavam connosco, como foi o caso do Marcos. O Paulo e o Moreira foram sempre corretos. Embora discretos, nunca nos denunciaram. Houve um guarda auxiliar que, quando tomava sol nos recreios, me animava e mostrava-se contra a ditadura. (…) Houve solidariedades inesperadas: Do responsável pelo Economato, Sousa, e do cozinheiro Braz.”
Essas solidariedades ajudavam a amenizar a prisão:
“Traziam-nos dos nossos camaradas livros, revistas e, até, um transístor.”
Sentiram também solidariedade dos presos de delito comum: “O Sancudja e o Pedro King compravam-nos o jornal Arquipélago. (O Pedro..) fazia-nos um gesto e com isso sabíamos que o jornal já estava dobradinho no ramo de uma árvore. Um de nós apanhava-o.”
Quando saiu do Tarrafal, em Fevereiro de 1973, Jaime quis recuperar a a sua profissão de professor, o que lhe foi negado, “por causa do contacto com os alunos”. Deram-lhe um cargo nos Serviços de Educação, com a categoria de professor primário, mas com subsídio de chefia. 
 

Texto e fotografia a partir de "Tarrafal-Chão Bom, Memórias e verdades", de José Vicente Lopes, a quem agradecemos.