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João Faria Borda

João Faria Borda
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Data da primeira prisão

Nasceu em Alcobaça a 18 de novembro de 1912, filho de Ana Maria Borda e de José Faria Borda. Assentou praça na Armada em 1932, como voluntário, iniciando a sua militância no Partido Comunista e tornando-se num dos dirigentes da Organização Revolucionária da Armada (ORA).
2.º artilheiro do navio “Bartolomeu Dias”, esteve diretamente envolvido na sublevação de grumetes, marinheiros e cabos dos navios de guerra “Bartolomeu Dias”, “Afonso de Albuquerque” e “Dão”, em 8 de setembro de 1936, conhecida como “A Revolta dos Marinheiros”, a única ação militar contra a ditadura que foi preparada, decidida e efetuada pelas camadas mais baixas das Forças Armadas.
Preso no mesmo dia em que ocorreu a revolta, recolheu à 1.ª esquadra, ficou em regime de incomunicabilidade no dia 10 de setembro e, no dia 18, passou para a Penitenciária de Lisboa. Julgado em Tribunal Militar Especial em 13 de Outubro de 1936, assumiu as responsabilidades que lhe cabiam e foi condenado na pena de seis anos de prisão maior, seguidos de dez anos de degredo ou, em alternativa, em 20 anos de deportação.
Seguiu para o Campo de Concentração do Tarrafal em 18 de outubro de 1938, tendo sido entregue, em 31 de dezembro de 1945, ao Ministério da Justiça.
Depois de mais de dezasseis anos encarcerado em Cabo Verde, foi transferido, em 23 de dezembro de 1952, para Peniche e libertado em 24 de dezembro de 1953.
Tornou a ser preso em 28 de outubro de 1959, “para averiguações sobre atividades subversivas”, recolheu ao Aljube e, em 9 de junho de 1960, passou para o Forte de Caxias. Julgado pelo 2.º Juízo Criminal da Comarca de Lisboa em 22 de junho, foi absolvido e libertado no dia seguinte.
Publicou, em 1974, “A Revolta dos Marinheiros” e, em 1978, é um dos coautores do texto coletivo “TARRAFAL-Testemunhos”. Participou na organização das trasladações dos presos políticos mortos no Tarrafal, que tiveram lugar em 18 de fevereiro de 1978. Faleceu em 30 de maio de 1985, no Hospital da Marinha. 

«O campo de concentração era um rectângulo (cerca de 250m por 180m) situado num dos sítios mais insalubres do arquipélago de Cabo Verde. Como alojamento existiam umas barracas de lona onde eram metidos cerca de 12 presos em cada uma. As casas de banho não existiam. Havia apenas uns sanitários, toscos muros de tijolo com uns buracos no chão e umas latas de gasolina para as necessidades. Como cozinha existia um telheiro com uns muros por onde a poeira entrava aos montes. Dois indígenas faziam a comida. A alimentação era péssima, havia ocasiões em que era necessário pôr bolas de algodão no nariz pois o cheiro da comida impedia que ela entrasse no estômago. Não havia água potável. Só existia água num poço a cerca de oitocentos metros do campo, água salobra que os presos transportavam em latas de gasolina. Mesmo assim era má e em pequena quantidade, não chegando para a higiene. Tomava-se banho com um único litro de água despejada de uma lata onde eram feitos uns buracos para o efeito. O primeiro director do Tarrafal foi Manuel Martins dos Reis, capitão gatuno e paranóico, vindo da Fortaleza de Angra do Heroísmo. Este director entretinha-se a roubar as coisas que os familiares dos presos, com sacrifício, mandavam, desculpando-se que tudo aquilo era enviado pelo Socorro da Marinha Internacional. Chegou mesmo a montar uma pseudo cantina onde vendia as coisas roubadas. Mal desembarcámos, começámos imediatamente a trabalhar. Transportávamos pedras, sob vigilância constante dos guardas. Em Cabo Verde, região de clima variável, calhou chover bastante nesses anos. A lona das barracas apodreceu de tal maneira que lá dentro chovia como na rua e de manhã acordávamos com a cara negra da poeira que se pegava à humidade que sobre nós caía. As águas acumuladas formavam pântanos onde se desenvolviam mosquitos transmissores do paludismo. A saúde de todos nós, presos, arruinava-se. Caíamos atacados da doença chamada biliose. Sem fornecimento de medicamentos e com um médico que era um patife da pior espécie, em poucos dias morreram sete camaradas. Em cerca de uma média de 200 presos era vulgar, em certas alturas, apenas dez andarem a pé. Os escândalos da actuação do primeiro director levaram à demissão deste. Foi substituído por João da Silva, acompanhado pelo fascista Seixas. Estávamos em 1938/39. A guerra civil espanhola terminava com a vitória do fascismo. (…)A situação no campo do Tarrafal, reflexo da situação política internacional caracterizada pela ascensão do fascismo, agrava-se terrivelmente. João da Silva dizia frequentemente: Quem está aqui é para morrer! Com este director começou a funcionar sistematicamente a célebre tortura conhecida por frigideira Todos os dias eram para lá atirados presos e eu também por lá passei algumas vezes.»
[Testemunho de João Faria Borda]