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Luís de Matos Monteiro da Fonseca

Luís Fonseca
Data aproximada da primeira prisão
1966

Natural da Ponta do Sol, Santo Antão, onde nasceu a 17 de Maio de 1947, Luís de Matos Monteiro da Fonseca viveu parte da infância e juventude noutra ilha cabo-verdiana, S. Vicente, onde, na década de 60, veio a aderir ao PAIGC.
Em 1966 foi preso pela PIDE, agredido durante os interrogatórios, mas libertado ao fim de poucos dias. Em Janeiro do ano seguinte, volta a ser preso, com o português Carlos Consiglieri, e fica até Março no Fortim (Fortim d'El-Rei, Mindelo, S.Vicente).
Ainda em 1967 volta a ser preso, na sequência das prisões do grupo de Lineu Miranda, Carlos Dantas Tavares e Jaime Schofield. Ao saber que tinham sido presos, esconde-se e tenta fugir para Dakar, mas é capturado antes de o conseguir, em Dezembro de 1967. Depois de um dia passado no Fortim, é levado para a Cadeia Civil da Praia, onde aguardam julgamento até Julho de 1969: E na sequência desse julgamento são enviados para o Tarrafal:
“Fomos recebidos por um senhor de cabelo branco, de farda caqui, muito hirto, magrinho, que era o diretor, Eduardo Vieira Fontes. Cabo-verdiano, mas era funcionário colonial em Angola e esforçava-se por mostrar o seu zelo e dedicação na “reeducação” dos presos. Estava ele e o chefe dos guardas, um português, o “Sr. Reis”. 
Receberam-nos com um sermão muito comovente, a dizer que nós íamos para lá para sermos “reeducados”, para podermos voltar a abraçar “os valores da civilização ocidental cristã” e “os valores da portugalidade”. E fizeram-nos, inclusive, a propaganda do “hotel” – que se comia melhor que lá fora, as condições eram boas mas eram severas, portanto, que não contássemos com contemplações, e logo a seguir deram-nos uma demonstração do que isso seria. Porque, por incrível que pareça, serviram-nos um almoço de lagosta. (…) E depois de termos almoçado, levaram-nos para a cela. Uma cela em que a gente não podia ver para a rua, exceto se fizéssemos um esforço de guindar por uma pequena janela gradeada por onde entrava luz e ar. E pouco tempo depois de nos fecharem começámos a ouvir um barulho de pessoas a discutirem mesmo em frente da nossa cela. Fomos espreitar para ver o que era e era precisamente esse senhor, o Fontes, mais o chefe dos guardas, o Reis, a discutir com um indivíduo frágil, de barbas, em condições físicas muito debilitadas. Às tantas o Fontes diz ao guarda: “Sr. Reis, dê uma tosa neste gajo.” E encheram-no de pancada, com vários polícia a baterem.
Esta foi a nossa receção, que acho que foi encenada, (…) para sabermos que, por um lado, tínhamos lagosta e, por outro, pancada ou o tratamento exemplar que estavam a dar àquele indivíduo, o António Cardoso."
Nós não o conhecíamos. Ele estava numa cela de isolamento a que tinham bloqueado todas as frestas, de modo que ele estava lá completamente às escuras, uma cela disciplinar ao lado da nossa caserna.”
Depois disso, o grupo cabo-verdiano inventou formas de contacto e auxílio ao escritor angolano, conseguindo mesmo, ao ser libertados, em Fevereiro de 1973, trazerem alguns poemas de Cardoso para publicação. 
O grupo de que Luís Fonseca fazia parte veio a ser castigado com isolamento, após um dos guardas se ter apercebido de uma troca de mensagens com um jovem preso angolano. Os cabo-verdianos foram também transferidos para o outro lado do campo, a secção dos presos comuns. O que, explica Luís Fonseca, foi um erro da Administração:
“No campo dos angolanos só havia guardas portugueses (…). E no campo dos presos de delito comum havia uma série de guardas cabo-verdianos e com estes conseguimos rapidamente entrar em contacto e era através deles que trocávamos correspondência com o exterior. Recebíamos informações do partido, metemos um rádio, e tudo o que precisávamos tínhamos praticamente lá dentro. Isso permitiu-nos manter não só o contacto com o exterior, como também fazer o trabalho junto dos presos.”
Com a chegada do grupo de presos ligados ao caso do “Pérola do Oceano”, organizam-se para os apoiarem nos estudos. Sem esquecer aulas de doutrinação política, com apoio dos materiais recebidos do exterior. Condenado a dois anos de prisão e medidas de segurança, foi vendo prolongado o tempo de prisão:
“De seis em seis meses, chamavam-nos e diziam: ‘Vocês ainda não estão recuperados’ e davam-nos mais seis meses de prisão. E, para nosso espanto, quando mataram Cabral, ficaram convencidos que a luta tinha acabado e mandaram soltar-nos. O assassinato foi a 20 de Janeiro de 1973 e a 13 de Fevereiro mandaram-nos para a rua.”
Gostaria de ver o Campo transformado em Museu:
“Mas um museu que seja um testemunho vivo, não apenas um lugar onde as pessoas vão e lhe mostram as coisas, mas que sirva para mostrar que se lutou em Cabo Verde. E, mais do que isso, que sirva também para mostrar que Cabo Verde, mais Portugal, mais Angola, mais Guiné-Bissau, mais ouros países, estavam irmanados na procura de um mundo melhor, mais justo, para que as pessoas pudessem ver reconhecida a sua dignidade.”

Texto e fotografia a partir de "Tarrafal-Chão Bom, Memórias e verdades", de José Vicente Lopes, a quem agradecemos.

Após a independência do seu país, foi eleito deputado pelo PAIGC/PAICV à Assembleia Nacional Popular de Cabo Verde em 1975, 1980 e 1985.
A partir de 1986, exerceu diversos cargos diplomáticos, designadamente Representante Permanente de Cabo Verde junto às Nações Unidas em Nova Iorque.
Em julho de 2004 até julho de 2008, assumiu as funções de Secretário Executivo da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa).
Em 30 de março de 2023, representou a Fundação Amílcar Cabral na apresentação, no Museu do Aljube Resistência e Liberdade, do projeto de criação do Centro de Documentação do Tarrafal.