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Miguel Wager Russell

Miguel Wager Roussell
Miguel Wager Roussell
6499
Data aproximada da primeira prisão
Dezembro 1931

Miguel Wager Russell [RGP/2169]
Nasceu em Santarém, em 1 de fevereiro de 1908, filho de Natália Augusta Pinto Russell e de Miguel Maria Wager Russell.
Viveu os primeiros anos na cidade escalabitana, onde o pai, engenheiro auxiliar das obras públicas, estava a trabalhar, acompanhou-o, depois, em Macau, passou por Lisboa, onde fez a instrução primária num colégio e o exame na escola oficial, e partiu para o Porto, onde estudou no Liceu Rodrigues de Freitas, acompanhando os trabalhos e empregos do progenitor e pondo-o, desde muito novo, em contacto com operários dotados de uma cultura invulgar. O ambiente familiar em que cresceu proporcionou-lhe, ainda, o acesso à leitura de obras diversificadas, sendo que o pai era republicano e maçónico e, talvez por isso, não teve educação religiosa. O falecimento do pai, quando era ainda muito jovem, fez com que tivesse de começar a trabalhar na Companhia Portuguesa de Higiene, empresa de produtos químicos e farmacêuticos onde permaneceu quatro anos e começou a consciencializar-se politicamente.
Mas foi durante a sua passagem pela tropa, tendo feito a instrução no batalhão de automobilistas, na Avenida de Berna, que se tornou ativista do Socorro Vermelho Internacional. Finda aquela, trabalhou como amanuense na secretaria da Penitenciária de Lisboa, integrou o Sindicato dos Empregados de Escritório, onde exerceu as funções de fiscal do trabalho e, em dezembro de 1931, sofreu a primeira prisão pela Polícia de Defesa Política e Social (PDPS), por ter importado livros de Espanha considerados subversivos, não o tendo relacionado com as atividades conspirativas em que estava envolvido.
No âmbito do Socorro Vermelho Internacional, a que estava ligado desde 1930, contactava os presos políticos e as suas famílias, recolhia fundos para as auxiliar e denunciava as prisões, violências e torturas. Em finais desse ano já era dirigente e, nessa qualidade, foi escolhido para representar a Seção Portuguesa no I Congresso Mundial do Socorro Vermelho Internacional, realizado em setembro de 1932, em Moscovo. Como já estava organizado no Partido Comunista desde 1931 e, desde 1932 na clandestinidade, por ter sido denunciado e ser procurado, teve de sair de Portugal sem documentação legal, demorando mais de um mês para percorrer a Europa e chegar a Moscovo. Permaneceu na União Soviética vários meses, entre setembro/outubro de 1932 e meados de 1933, passando, no regresso, por França e Espanha.
Em Madrid, manteve contactos com Bento Gonçalves e Álvaro Duque da Fonseca, que ali casara e vivia, entrando em Portugal exatamente no dia 18 de janeiro de 1934. Devido ao fracasso do movimento insurrecional e às centenas de presos e deportados, desdobrou-se em atividades do Socorro Vermelho de apoio a estes e deslocou-se a França em agosto/setembro à procura de auxílio internacional para as condições particularmente difíceis que os antifascistas portugueses enfrentavam.
Na sequência das importantes prisões de Bento Gonçalves, José de Sousa e Júlio Fogaça em 11 de novembro de 1935, que afetaram gravemente a direção do Partido Comunista, passou a integrar, ainda que por poucos meses, o seu Secretariado, juntamente com Francisco Ferreira, Manuel Rodrigues da Silva e, depois, Alberto Araújo. É neste contexto que, em fevereiro de 1936, se deslocou a Madrid para se encontrar com Francisco Paula de Oliveira (Pavel), na altura o delegado do Partido junto da Internacional Comunista. De seguida, foi responsável pela Organização Revolucionária da Armada (ORA), esteve envolvido na revolta dos marinheiros de setembro de 1936 e voltou às atividades no Socorro Vermelho em resultado de nova vaga de prisões e deportações.
Até 14 de abril de 1937, quando foi preso com a noiva, Irene Branco Bártolo, levado para a esquadra de Santa Marta e, depois, para a Rua da Leva da Morte. Era, há muito, um nome identificado e procurado, sendo considerado “um elemento de grande importância dentro da organização comunista”.
Torturado, recusou-se a responder a quaisquer perguntas sobre nomes e moradas de camaradas, esteve 44 dias na incomunicabilidade, foi transferido para a Cadeia do Aljube em 27 de maio e, em 5 de junho, data em que libertaram Irene Branco Bártolo, foi deportado sem qualquer julgamento, com mais quarenta presos políticos, para o Campo de Concentração do Tarrafal.
Aí casou por procuração, tendo o casal só voltado a reencontrar-se nove anos depois, quando Miguel Russell regressou a Lisboa no navio "Guiné" a 1 de Fevereiro de 1946, com 38 anos feitos exatamente nesse dia: quando partiu era “um rapaz novo e robusto” e quando libertado, ao fim de nove anos, era “um homem precocemente envelhecido pelo sofrimento e com a saúde abalada”.
No seu livro “Recordações dos tempos difíceis”, de 1976, descreve o que viu nesse dia: “À medida que o navio se aproximava do cais de Alcântara, onde atracaria, íamos distinguindo uma massa enorme de gente que nos acenava. Milhares de pessoas haviam acorrido ao cais mobilizadas pelas organizações antifascistas para nos saudarem […] Os gritos, os abraços, as lágrimas dos familiares e conhecidos que nos recebiam de braços abertos geravam uma maravilhosa balbúrdia”.
Com Júlio Fogaça, organizou as Edições Claridade que, em 1947, editou o livro “Chiquinho” do cabo-verdiano Baltasar Lopes. Esta editora chegou a contar com o apoio económico do capitão António Correia, outro ex-tarrafalista. Em 1950, partiu para Moçambique, onde manteve atividade oposicionista, reencontrou camaradas e ex-camaradas, nomeadamente o seu cunhado Oliver Bártolo e Álvaro Duque da Fonseca, e participou na campanha eleitoral de Humberto Delgado, só regressando a Portugal a seguir ao 25 de Abril de 1974.
Publicou, em 1976, “Recordações dos tempos difíceis” (Edições avante!) e, em 2008, saiu “As minhas atividades no Socorro Vermelho Internacional e no Partido” (Edições avante!). Faleceu em 19 de fevereiro de 1992, com 84 anos de idade.