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Olívia Maria

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Data da primeira prisão

Nasceu em Santiago do Cacém. Começou a trabalhar aos 8 anos como criada e depois no campo, (recebia 10$00 escudos por mês «para pagar o pão que comia»); com 11 anos já era operária numa fábrica de cortiça. Cresceu e, mulher feita, ganhava à jorna 3$50, enquanto os homens recebiam 7$50 pelo mesmo trabalho. Casou aos 19 anos com um colega da fábrica, que veio a tornar-se conhecido por ser um dos protagonistas da fuga de Peniche: José Carlos. Trabalhou como corticeira até aos 21 anos e a sua revolta foi crescendo - sentia que os patrões a roubavam escandalosamente nos pagamentos, que eram muito injustos os ordenados que recebia e que a exploração a que estava sujeita nas fábricas ultrapassava todos os limites. Não sabia ler nem escrever – raros sabiam... - mas sabia que era uma operária com muita experiência, muito rápida e que não era admissível receber tão pouco.
Começou a ouvir com mais atenção os conselhos de um amigo mais velho, Manuel Diogo (pai de Albertina Diogo do PCP), que trabalhava ao seu lado, e a aconselhava a juntar-se às outras mulheres para pedirem aumentos de salários. Os patrões respondiam com ameaças de despedimento e, um dia, em que eles lhes recusaram um aumento de meio tostão, ela despediu-se e foi trabalhar para outro lado. Sempre como operária corticeira. Dois anos mais tarde, recusou o convite para ser “encarregada de serviço”, dizendo que “não tinha dentes para morder” - por saber que o que lhe estava a ser proposto era uma tarefa em que teria de agradar ao patrão e desagradar às companheiras – e saiu daquela fábrica. Entretanto, a sua raiva aumentava e Manuel Diogo ia-lhe falando nos regimes socialistas e lendo-lhe às escondidas a imprensa do PCP. 
Quando casou, a Albertina Diogo (mais tarde companheira de Guilherme de Carvalho) pediu-lhe que emprestasse a casa para umas reuniões da juventude. A PIDE tomou conhecimento e prendeu-a pela primeira vez, libertando-a pouco tempo depois. 
As actividades reivindicativas da Olívia e do marido, como corticeiros, prosseguiram nos locais de trabalho, e foi na candidatura de Norton de Matos que iniciaram a atividade política. Em 1949, ambos entram para o PCP. No início da década de 50, José Carlos põe o patrão em tribunal porque não lhe pagava as horas extraordinárias, é despedido da fábrica onde trabalhava e Olívia também fica sem trabalho. Decidem então entrar para a clandestinidade, deixam Santiago do Cacém, vão viver para o Montijo e levam apenas as duas filhas, deixando o mais velho (porque andava na escola) com um irmão de Olívia (que, operário corticeiro, ganhava miseravelmente e era o único sustento da grande família). 
Passam terríveis dificuldades na vida clandestina - « ... eram as preocupações com a vigilância da PIDE e a vida do partido era pobre, não permitia o dinheiro suficiente para se comer. Uma açorda com azeitonas e pronto; mas antes já estávamos habituados, não estranhávamos. E andávamos sempre de um lado para outro... Ninguém sabe o que a gente passou nessa altura...A vida clandestina era muito mais dura nos primeiros anos do que, depois, para o fim. Mas mais dura era a fome que o povo passava...».
Em 1957, o companheiro foi preso em Beja e ela teve indicação para seguir para uma “casa de apoio” no Algarve. Decide empregar-se numa fábrica de conservas – com a ideia de «organizar as conserveiras, que ainda estavam piores que as corticeiras ...nem conheciam as leis...». Liderou uma luta para obrigarem o patrão a pagar-lhes as horas extraordinárias e não tardou a ser despedida. Apesar disso, dias depois, com a tenacidade que a caracterizava, voltou à fábrica, numa tentativa de reunir as companheiras e recolher assinaturas de apoio ao candidato da oposição à presidência da República (1958). O encarregado chamou a polícia, que a levou para os calabouços da esquadra de Faro e só três dias depois deu entrada numa sala daquela polícia. Apercebeu-se de imediato que tinham ido a sua casa, trazido uma mala com roupa e as suas duas filhas – que haviam ficado sozinhas em casa durante esses dias. «Numa sala ao lado as crianças choravam. Eu dizia-lhes sempre que se um dia eu não aparecesse, pedissem dinheiro a uma vizinha ou vendessem qualquer coisa e fossem para Lisboa...». Foram levadas as 3, de Faro, sob prisão, para Setúbal. Ali, a polícia ameaçava “tirar-lhe” as filhas e ela clamava que as levava consigo, pois só a morte as separaria. Nada os demoveu e Olívia Maria viu-se obrigada a entregá-las ao irmão, com quem já ficara o outro filho. Conduzida para o Forte de Caxias, foi torturada na sede da PIDE, constantemente ameaçada em interrogatórios contínuos, mas recusou sempre prestar declarações. Julgada em Tribunal Plenário, foi condenada a 15 meses de prisão, cumprindo a pena até maio de 59. 
Quando saiu em liberdade, foi trabalhar para o Montijo, enquanto aguardava a saída do companheiro, o que veio a acontecer com a fuga de Peniche (3 de janeiro de 1960). Os dois regressam à clandestinidade, mas cerca de 3 anos depois voltam a ser presos (1963). Olívia vai grávida e leva consigo a filha de um ano meio. A criança tem a alimentação habitual dos presos, sem os mínimos cuidados alimentares, e começa a ter sangue nas fezes; a mãe, numa exasperada discussão com o director, por este motivo, reclama violentamente. Enerva-se, emociona-se. Nesse dia aborta, é levada para o hospital de São José e, depois, internada sob prisão na Ordem Terceira (para onde, à época, a PIDE levava frequentemente os presos). A menina fica na prisão com Colélia (companheira de Dias Lourenço). Quando Olívia regressa a Caxias, continua a protestar contra a situação em que a criança se encontra, exige ter informações do seu processo, mas, sem resposta, aguarda a acusação durante um ano e meio. As pressões da PIDE para que “falasse” prosseguiam, sob diversas formas, mas Olívia Maria mantinha-se em silêncio. Julgada em Tribunal Plenário, em 1964, foi condenada a 3 anos e 3 meses, acrescidas das famigeradas “medidas de segurança”. Na cadeia, sucedem-se as sanções e as punições disciplinares, determinadas pela PIDE, por desobediência e contestação das normas. 
Em 1968 volta a ser internada, sob prisão, no hospital da Ordem Terceira, devido ao seu estado de fragilidade física. 
Desencadeado um movimento nacional e internacional para a sua libertação, sai durante o cumprimento das “medidas de segurança”, em março de 1969. Ajudada por amigos, trata-se e encontra trabalho. 
Aguarda a saída de Peniche do marido, o que acontece em 1972 e não tardou muito o voltarem à clandestinidade. Até ao 25 de Abril de 1974.
«A alegria de ver os companheiros sair da cadeia é uma coisa que não se explica. Porque só quem sabe o que é a cadeia, o que é a luta clandestina, poderá dar valor a uma liberdade como esta. (...) e a luta tem que continuar porque senão será muito pior, não podemos perder nem uma hora» - disse à jornalista Gina de Freitas.