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Tarrafal - Testemunhos

Tipologia
Memórias
Autor
Antigos presos do campo de concentração do Tarrafal
Editora
Caminho
Local Ed.
Lisboa
Data
1978

“Havia guardas venais. A troco de dinheiro conseguíamos saber o que se passava, Mas sabendo nós também que a certeza das vilezas para connosco, de que eram autores, trazia a muitos deles inquietações por um tempo que poderia estar distante mas chegaria, e em que nos tornaríamos seus acusadores e juízes, prometíamos-lhes a nossa compreensão futura. Deste modo íamos conseguindo notícias. Uma outra fonte de noticiário era o soldado angolano, que também não recusava a uma peça de roupa ou a uns escudos. E de noite, rastejando, lá íamos até ao arame farpado, junto do posto de uma sentinela, a comprar notícias do mundo. Naquele tempo em que transportávamos água em latas, sempre íamos atentos a papéis. O vento arrastava pedaços de jornal de que os guardas se serviam nas suas retretes e deixava-os presos ao capim ou pela berma da estrada. (…) E, como aqueles pedaços de jornal apresentavam de modo bem evidente aquilo para que eram usados, chamávamos ao nosso noticiário «Rádio Merda»."
(...)

“Não havia luz eléctrica. A iluminação fazia-se com petromax colocados em certos pontos do acampamento, junto da cerca de arame farpado. As barracas não tinham luz. Não podíamos ler, não podíamos escrever. Os carcereiros proibiam-nos de andar à noite pelo campo. A falta de electricidade só tinha para nós uma vantagem. Como os guardas não se aproximavam das barracas durante a noite, estávamos à vontade para as nossas reuniões, quando camaradas mais cultos nos falavam de problemas políticos e da história das lutas do proletariado.” 
(...)
“ – Tirar chapéus! – Comandavam.
Pelo regulamento eram obrigatórios aqueles cumprimentos quando o chefe entrava no Campo. E também aos guardas, ao comandante Numa Pompílio, aos oficiais e sargentos da «Companhia Indígena» e a outras autoridades do campo.
Resistíamos. Sentíamo-nos vexados. Quando vieram os tempos mais duros não tirar o chapéu de palha significava muitos dias de «frigideira».”
(...)
“Havia entre nós um ou outro que já passara pelas deportações, porém quase todos nós não tínhamos qualquer experiência do clima africano e das precauções a tomar contra a malária. Ninguém nos forneceu mosquiteiros e também nós não nos apercebemos da sua falta. A nossa robustez fizera-nos passar os primeiros meses no campo sem grandes sobressaltos quanto à saúde. Mas, quando o vento deixou de soprar e as primeiras chuvas vieram, chegou o paludismo.”