banner_dossier_amilcar_cabral

 

Memórias - um combate pela liberdade

Tipologia
Memórias
Autor
Edmundo Pedro
Editora
Âncora edições
Data
Janeiro 2007

“Quando avistámos as instalações do campo de concentração tornou-se visível, muito perto dele, o perfil inconfundível do cemitério local, Não atribuí a essa circunstância qualquer significado especial. Não me passou pela ideia (, a que alguns testemunhos aludiram,) de que a escolha do local para as instalações do presídio tivesse sido influenciada por essa proximidade.” 
(...)
“O Luanda, depois de onze dias dias de uma viagem tormentosa, em condições que muitos animais não aguentariam – viajámos, como referi oportunamente, no porão do navio, na chamada «classe de boi» -, fundeou na pequena baía da vila do Tarrafal no princípio da tarde do dia 29 de Outubro de 1936.”
(...)
“A maioria dos guardas era constituída por agentes da PSP ligados à PVDE e à recém-criada Legião Portuguesa. (…) Com poucas excepções, eram indivíduos semi-analfabetos, boçais, com evidentes complexos de inferioridade cultural em relação aos prisioneiros. Queriam mostrar que estávamos na sua dependência e que eram eles quem mandavam. Confirmavam plenamente o acerto do rifão popular: «Se queres conhecer o vilão, mete-lhe na mão!».”
(...)
“Em 1938, quando a direcção do campo foi assumida pelo capitão João da Silva – o Faraó, como passaria a ser designado – este não esconderia que tinha sido um dos «técnicos» encarregados de estudar, com os nazis, o regime especial a impor aos que ali estavam internados. (Essa viagem de estudo servira para «aperfeiçoar» o funcionamento do sistema antes de assumir a sua direcção.) (…) Apesar da enorme diferença entre o hitlerismo e o salazarismo, houve, no caso particular do Tarrafal, uma evidente similitude entre os dois regimes.”

“Na verdade, o Campo de Concentração do Tarrafal, eufemística e hipocritamente apelidado pelos salazaristas de «Colónia Penal», foi um típico campo de concentração decalcado, em todas as suas peças, do modelo nazi.”
(...)
“À mais pequena infracção (…) – como acontecia, por algumas vezes, por simples distracção – implicava a submissão a brutais espancamentos, seguido de isolamento na frigideira, nunca inferior a dez dias, associado ao regime de pão e água.”
(...)
“O médico que entrou ao serviço cerca de um mês depois de ali chegarmos, o insensível e criminoso Esmeraldo Pais Pratas – a quem atribuímos a alcunha de Tralheira – afirmava que não dispunha de medicamentos. Estava à espera que lhos enviassem de Lisboa. Essa foi a sua desculpa durante vários meses. Mas passou a controlar os que nos eram enviados pelas famílias. Utilizava-os na clínica privada que exercia na vila do Tarrafal.” Depressa percebemos que a sua função, no quadro do sistema prisional, não era tratar da nossa saúde, mas pelo contrário no sistema repressivo e ajudar à eliminação física dos prisioneiros. (…) O Tralheira viria a ter, ao longo do tempo, responsabilidade directa na morte de vários prisioneiros.”
(...)
“O Tralheira esclarecer-nos-ia, com brutal franqueza, na fase final desse período, a propósito das nossas reclamações, nomeadamente quanto ao facto de os nossos camaradas terem morrido sem assistência médica:
- Não estou aqui para curar, mas para assinar certidões de óbito”