José Cardoso Morgado Júnior nasceu em 17-02-1921 na aldeia de Pegarinhos, Alijó, filho de Maria da Conceição Moreira e de José Cardoso Morgado.
Fez a escola primária na sua aldeia natal e o primeiro e segundo anos do liceu em Favaios. Não se inscreveu no terceiro ano do liceu, por a família não poder suportar as despesas necessárias, já que a localidade mais próxima onde o poderia fazer era Vila Real, distante cerca de 60 quilómetros. Alguns dos seus professores, reconhecendo o mérito excecional do jovem, conseguiram assegurar o prosseguimento dos estudos – terá sido “o mais distinto aluno do Liceu, tendo concluído o curso complementar de Ciências com a mais elevada qualificação”.
Fez os seus estudos superiores na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, tendo concluído a sua licenciatura em Ciências Matemáticas em 1944. Entretanto, para conseguir frequentar o curso, José Morgado deu explicações e, a partir de 1942, lecionou em colégios particulares do Porto e de Espinho.
Em 16 de julho de 1945 entrou como Assistente para o Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa.
A ofensiva governamental contra a Universidade Portuguesa e os seus melhores quadros teve como uma das bases informações sobre a militância no âmbito do MUD (Movimento de Unidade Democrática) e, particularmente, em função da assinatura das chamadas “Listas do MUD”, que recolheram dezenas de milhar de subscritores
A assinatura dessas listas exprimia a adesão às resoluções aprovadas na sessão pública realizada no Centro Escolar Republicano Almirante Reis, em Lisboa, a 8 de outubro de 1945, que deu lugar à criação do MUD. Tendo sido entregues ao governo, a PIDE - Polícia Internacional e de Defesa do Estado, que sucedera à Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE) em 22 de outubro de 1945, organizou fichas de todos os signatários destes abaixo-assinados, carimbando e numerando todas as folhas preenchidas. Esta operação policial permitiu exercer. durante muitos anos, a repressão sobre quantos as subscreveram.
Com data de 14 de junho de 1947, o Conselho de Ministros adotou uma Resolução (ver anexo) mandando rescindir imediatamente, entre outros, o contrato de José Morgado como assistente do Instituto Superior de Agronomia.
Essa ação do governo de Salazar recorria ao Decreto-Lei n.º 25317, de 13 de maio de 1935 (ver anexo), que mandava "aposentar, reformar ou demitir os funcionários ou empregados, civis ou militares, que tenham revelado ou revelem espírito de oposição aos princípios fundamentais da Constituição Política ou não deem garantia de cooperar na realização dos fins superiores do Estado".
E, deste modo, num só dia, a ditadura afastou 11 oficiais das Forças Armadas e 21 professores e investigadores, que constituíam o escol da universidade portuguesa.
Como refere o próprio José Morgado, citado no “in memoriam” de J. Almeida e A. Machiavelo, nesse ano de 1947, “foram expulsos cerca de duas dezenas de professores e assistentes universitários, conhecidos como democratas. Alguns assistentes viram nesse ano os seus contratos rescindidos, outros viram os seus contratos não renovados, outros foram impedidos de entrar para o corpo docente universitário, por mera informação da Pide. Muitos licenciados foram impedidos de trabalhar até no ensino particular, porque lhes foi negado o necessário diploma de ensino particular."
Entre o seu afastamento do ensino oficial em 1947 e a sua partida para o Brasil em 1960, como professor contratado, viveu de lições particulares de Matemáticas Gerais, Cálculo Infinitesimal, Álgebra, Geometria Descritiva, Geometria Projectiva e outras disciplinas matemáticas, para estudantes do Instituto Superior de Agronomia, do Instituto Superior Técnico e da Faculdade de Ciências de Lisboa, até Outubro de 1958, tendo, em seguida, fixado a sua residência no Porto, onde deu lições particulares para estudantes da Faculdade de Economia e da Faculdade de Ciências até Dezembro de 1959.
Entretanto, os Centros de Matemática haviam sido praticamente extintos, a Sociedade Portuguesa de Matemática fora reduzida a uma quase inatividade, o ministério da educação nacional proibiu a utilização das instalações sob sua jurisdição para realização de múltiplos seminários e conferências – o que obrigou a recorrer para o efeito a casas particulares, como a de Hugo Ribeiro, no Murtal, ou a de Neves Real, na Rua Almada, no Porto, e mesmo ao “English Bar”, para o matemático espanhol Germán Ancochea realizar uma conferência sobre Geometria Algébrica…
Apesar disso, a “Resistência Matemática” conseguiu manter a publicação da Portugaliae Mathematica, pela mão de Zaluar Nunes e de Gaspar Teixeira, que garantiu também a edição da Gazeta de Matemática.
José Morgado passa a ser um alvo recorrente da polícia política. A sua primeira prisão ocorre a 5 de novembro de 1949, em Castelo Branco, apenas sendo solto, na véspera de natal, mediante pagamento de caução.
A 9 de julho de 1950, é novamente preso pela PIDE, tendo recolhido ao Depósito de Presos de Caxias e, a 10 de outubro, foi enviado para a Cadeia do Aljube – a violência policial obrigou a que baixasse à enfermaria logo no dia 11, só tendo alta a 13 de dezembro. Seguiram-se novos interrogatórios até que regressa a Caxias uma semana depois, a 20 de dezembro. Em 18 de janeiro de 1951, foi condenado no Tribunal Plenário a 6 meses de prisão correcional, considerada expiada em função da prisão preventiva sofrida e saindo em liberdade no dia seguinte.
Fez parte da Comissão Distrital de Lisboa do MUD, assim como da Comissão Distrital da candidatura de Norton de Matos à Presidência da República. Quando, em 1949, se formou o Movimento Nacional Democrático (MND), Morgado integrou a sua Comissão Central, em que se destacavam Albertino Macedo, Areosa Feio, Virgínia Moura, Ruy Luís Gomes e Maria Lamas (ver postal de propaganda em anexo).
A 3 de julho de 1951, no Cine-Teatro de Rio Tinto, à saída de uma sessão de propaganda eleitoral, uma força da PSP, comandada pelo major Santos Júnior, agrediu violentamente os dirigentes do MND José Morgado, Ruy Luís Gomes, Lobão Vital e Virgínia Moura, que tiveram de ser socorridos no hospital (ver fotografia em anexo).
A 5 de fevereiro de 1952, José Morgado é de novo preso, com Ruy Luís Gomes, Virgínia Moura e Albertino Macedo (membros da Comissão Central do MND), como signatários do manifesto Pacto de Paz e não Pacto de Guerra, por ocasião da realização na primeira reunião na NATO em Portugal. Recolheu a Caxias, sendo posto à disposição do Tribunal em 15 de março. Novamente julgado no Plenário de Lisboa, em 14-06-1952, foi condenado na pena de cinco meses de prisão correcional, “descontando a sofrida”, multa, perda dos direitos políticos por cinco anos e “declarado sujeito à medida de segurança de liberdade vigiada”, sendo libertado em 5 de julho (o Registo Geral de Presos da PIDE ainda assinala que tinha sido punido, em 30-06-1952, com uma pena de “repreensão pública, por manifestações de indisciplina”).
Quando, em 1954, se agravaram as relações do governo português com a União Indiana a propósito dos territórios de Goa, Damão e Diu, e o regime fascista promoveu manifestações sob o lema “Goa é Nossa!”, o MND enviou uma nota aos jornais, defendendo o direito à autodeterminação dos povos: a nota não foi publicada, mas foram presos os seus signatários, acusados de «traição à pátria». Com data de 20-08-1954, esta prisão é qualificada como de “averiguações por crimes contra a Segurança do Estado”. José Morgado e os restantes detidos são libertados em 30-06-1955 após prestação de caução. Por acórdão de 29 de julho de 1957 do Tribunal Plenário do Porto, Morgado, tal como os restantes arguidos, foi condenado em 24 meses de prisão, “na qual foi levada em conta a preventiva já sofrida”, quatro mil escudos de imposto de justiça, suspensão dos direitos políticos por cinco anos e novamente “sujeito à medida de segurança de liberdade vigiada por 5 anos nas condições seguintes: não acompanhar pessoas de má conduta política ou tomar parte em reuniões da mesma natureza”. Sofreu a pena restante na Colónia Penal de Santa Cruz do Bispo.
Nestas condições, José Morgado vê-se obrigado a emigrar para o Brasil em janeiro de 1960, para poder continuar a trabalhar em Matemática, lecionando a disciplina de Matemática na Universidade Federal de Pernambuco. Em 1967, conjuntamente com o também matemático Ruy Luís Gomes, deu início aos cursos de Mestrado em Matemática no Instituto de Matemática da Universidade Federal de Pernambuco.
Merece aqui inegável destaque a influência de Ruy Luís Gomes na formação de José Morgado, como matemático, como docente e como cidadão.
Só regressa a Portugal em 4 de outubro de 1974. Por despacho do Ministro da Educação e Cultura, foi reintegrado no lugar de assistente e professor do quadro do Instituto Superior de Agronomia. Sensivelmente um mês depois, a 7 de novembro de 1974, foi nomeado professor catedrático de Matemática Pura da Faculdade de Ciências do Porto. Em julho de 1979 foi nomeado definitivamente professor catedrático. Exerceu ainda as funções de vice-reitor da Universidade do Porto, substituindo Ruy Luís Gomes quando este se jubilou.
Atingiu o limite de idade em 17 de fevereiro de 1991, mas continuou a leccionar até setembro de 1998. Foi homenageado pela Universidade do Porto em 19 de fevereiro de 1999.
Tem mais de uma centena de trabalhos científicos, de investigação, de história e de divulgação matemática publicados, essencialmente nas áreas de Álgebra e História da Matemática. Trabalhou ainda em tópicos da clássica Teoria dos Números, na fronteira com a Análise Combinatória.
Após 25 de abril de 1974, José Morgado esteve presente nas atividades do Conselho Português para a Paz e Cooperação (CPPC) e em campanhas eleitorais promovidas pelo PCP, FEPU, APU ou CDU. Foi, com Óscar Lopes, Ruy Luís Gomes, Armando de Castro e Emílio Peres, um dos fundadores da Universidade Popular do Porto, onde participou regularmente.
José Cardoso Morgado Júnior faleceu a 8 de outubro de 2003, com 82 anos de idade.
REFERÊNCIAS:
José Morgado: in memoriam, de J. Almeida e A. Machiavelo (Centro de Matemática da Universidade do Porto, Departamento de Matemática Pura, Faculdade de Ciências, Universidade do Porto)
Clube de Matemática - Sociedade Portuguesa de Matemática (https://clube.spm.pt/news/o-matemtico-jos-morgado-nasceu-a-17-de-fevereiro-de-1917)
O Militante n.º 279, de novembro/dezembro 2005
Avante! n.º 2464, de 18-02-2021
Exposição organizada pelo PCP evocativa do centenário de Virgínia de Moura (1915-1998)
Gazeta de Matemática n.º 146, de janeiro de 2004