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O dia-a-dia no Campo (Fase I)

Não havia luz eléctrica. A iluminação fazia-se com petromax colocados em certos pontos do acampamento, junto da cerca de arame farpado. As barracas não tinham luz. Não podíamos ler, não podíamos escrever. Os carcereiros proibiam-nos de andar à noite pelo campo. A falta de electricidade só tinha para nós uma vantagem. Como os guardas não se aproximavam das barracas durante a noite, estávamos à vontade para as nossas reuniões, quando camaradas mais cultos nos falavam de problemas políticos e da história das lutas do proletariado.”

Tarrafal – Testemunhos
 

O castigo na Frigideira consistia, portanto, em isolamento, fome, asfixia lenta, desidratação, calor sufocante de dia, arrefecimento brusco de noite e, muitas vezes, espancamentos.

Gilberto de Oliveira, Memória viva do Tarrafal

Os castigos e o trabalho forçado foram duas das armas mais utilizadas pelos carcereiros do Tarrafal, tentando assim vergar a resistência dos presos políticos para ali desterrados. O isolamento, o segredo, a ração reduzida foram, além dos espancamentos, prática comum – devidamente ordenada e aprovada pelas cúpulas do regime fascista. O trabalho forçado, em especial na construção da vala e dos próprios abarracamentos do campo de concentração, constituíu outra marca fundamental da política repressiva ali executada. Tais circuntâncias somavam-se às condições precárias das instalações, ao clima difícil e às condições de insalubridade geral da “Colónia Penal”, com o objectivo evidente de aniquilamento moral e físico dos presos.

A vida no campo de concentração, inicialmente desorganizada pela própria pressa que o regime teve de para ali deportar alguns dos que considerava os seus piores inimigos, veio a conhecer gradualmente grande minúcia organizativa. Assim, por exemplo, foram estabelecidas por escrito as batidas dos guardas num carril que servia de sino para difundir as ordens e foram emitidas cédulas para substituir o dinheiro, evitando deste modo que os presos pudessem comprar o que quer que fosse à população circundante.
Desde o início, e a própria designação de Colónia Penal o esclarece, o campo sempre foi concebido para trabalhos forçados, ora nas obras de construção das suas próprias instalações, ora através da brutal utilização dos presos na pedreira e, especialmente, nas “Brigadas Bravas”. Os presos eram igualmente empregues nas oficinas e na granja. A tudo isto resistiam, criando eles próprios, à revelia dos carcereiros, e com recurso a diferentes materiais (incluindo miolo de pão), os mais variados objectos de uso corrente ou destinados a enviar às suas famílias.
Muitas foram, também, as formas que os presos encontraram para resistir: as aulas, a universidade, em que os mais aptos ajudavam os que tinham maiores dificuldades, a circulação dentro do campo dos poucos livros existentes, a organização comunitária dos medicamentos e de alguns géneros recebidos das famílias e das organizações de solidariedade, a permanente atenção às possibilidades de fuga, as tentativas de saber novas do exterior, mesmo através de alguns guardas, a organização e discussão política, sobretudo em torno dos acontecimentos que então abalavam o mundo – todas essas iniciativas permitiram, afinal, a cada preso sobreviver à intenção assumida de liquidação do seu carácter e da sua dignidade.

Brevemente, incluiremos aqui o registo de outras diferentes informações e testemunhos que ajudem a melhor retratar o que passaram os presos ao longo do seu encarceramento no Campo de Concentração do Tarrafal.