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Manuel José Nogueira Valadares

Manuel José Nogueira Valadares

Manuel José Nogueira Valadares nasceu em Lisboa, em 26 de fevereiro de 1904 e faleceu em 31 de outubro de 1982.
Estudou Física na Faculdade de Ciências de Lisboa, sendo contratado, a partir de 1927, como assistente. Deu aulas no Liceu Pedro Nunes e esteve ligado também ao Instituto Português de Oncologia de 1929 a 1932. Obteve uma bolsa da então Junta de Educação Nacional, que lhe permitiu estagiar, em 1929-1930, no Instituto do Rádio de Genebra, onde trabalhou sob a direção de E. Wassemer. Em 1930 obteve o Prémio Artur Malheiros da Academia de Ciências de Lisboa pelo seu trabalho Análise, por espectrografia de Raios X, de transmutações naturais e provocadas.
Seguidamente, de 1930 a 1933, trabalhou no Laboratório Pierre et Marie Curie, em Paris, publicando diversos trabalhos no domínio da radioatividade e obtendo o doutoramento com a tese intitulada “Contribution à la spectrographie par diffraction cristalline du rayonnement gamma”, orientada por Marie Curie, que mereceu a menção “très honorable”.
Regressado a Portugal, continuou as suas investigações nos domínios da Física Nuclear e da Espectrometria dos Raios X, afirmando também a urgência de “criar entre nós a investigação científica no domínio da Física”, como sublinhou em carta a Ruy Luís Gomes, acrescentando que tal “nunca tinha existido entre nós (…), aparte alguns casos esporádicos e realizados mais com o objetivo de satisfazer imposições legais do que como consequência de um desejo, de uma criatividade cultural”.
Em 16 de novembro de 1936, participou na fundação do Núcleo de Matemática, Física e Química, que reuniu Bento de Jesus Caraça e diversos bolseiros do Instituto de Alta Cultura que, tal como Valadares, se tinham especializado em diferentes países da Europa, designadamente Arnaldo Peres de Carvalho, Herculano Amorim Ferreira e António da Silveira. O Núcleo apenas sobreviveu três anos, até 6 de novembro de 1939, pelas dificuldades encontradas e devido a divergências internas sobre qual deveria ser a atuação dos cientistas na afirmação da Ciência.
Em 1940, foi para Itália, onde desenvolveu investigações no Istituto Volta, e no Laboratório di Física dell’Istituto di Sanita Pubblica.
Em 1941, iniciou a regência na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa da cadeira de Física F. Q. N. (Física, Química e Naturais), destinada a estudantes de medicina. Ao mesmo tempo, desenvolvia investigações em espectrografia de raios X no Laboratório de Física dessa Faculdade, com o apoio do respetivo diretor, Prof. Cyrillo Soares. Com Marques da Silva, Armando Gilbert e alguns investigadores mais jovens como Lídia Salgueiro, o Laboratório foi sendo reconhecido internacionalmente. Com Cyrillo Soares, Telles Antunes e Marques da Silva, foi fundador da Portugaliae Physica, que nasceu em 1943. Mais tarde, colaborou com artigos na Gazeta de Física, em cuja criação tinha participado com Armando Gibert.
Os Boletins dos Museus Nacionais de Arte Antiga evidenciam, por outro lado, a intervenção direta de Manuel Valadares na criação do laboratório de investigação científica do Museu das Janelas Verdes, tendo, com João Couto e Fernando Mardel, definido o programa das instalações da oficina e laboratório do novo Instituto para exame e restauro das obras de arte.
Em 1939, logo no n.º 1 desses Boletins, Valadares assina um texto intitulado precisamente "Laboratório para o exame das obras de arte" (ver excerto anexo) e, em 1942, publica com Olívia Trigo de Sousa o "Exame comparativo ao Raio X de alguns quadros atribuidos aos Cranach (Velho e Novo)", dando assim expressão aos trabalhos em curso nos equipamentos então adquiridos sob sua orientação.
Em Paris, irá desenvolver trabalhos idênticos no âmbito do laboratório criado a partir de 1931 no Museu do Louvre pelos médicos de origem argentina Carlos Mainini e Fernando Perez.
Entretanto, em data anterior à publicação dos "Conceitos Fundamentais da Matemática", iniciada em 1941, Bento de Jesus Caraça remete a Manuel Valadares, para apreciação, cópia de diversas das figuras desenhadas para aquela obra por Guida Lami.
Com o final da II Guerra Mundial, Valadares participa ativamente na criação e em diversas atividades do MUD-Movimento de Unidade Democrática, registando-se a sua presença na reunião realizada no Centro Escolar Republicano Almirante Reis, onde foi constituído o MUD-Movimento de Unidade Democrática, a 8 de outubro de 1945 (ver fotografia em que figuram, da esquerda para a direita, Manuel Valadares, Luís Navarro Soeiro e Avelino Cunhal).
Com a vitória sobre o nazi-fascismo, a embaixada da Jugoslávia em Lisboa será um ponto de contacto e apoio com muitos elementos da Oposição e, em especial, com o Partido Comunista Português. Fedor Dobrovitch, que aqui permaneceu entre 1945 e 1947, irá desempenhar um papel crucial, designadamente na saída clandestina de Álvaro Cunhal para contactos com o Partido Comunista da União Soviética.
Mas, entretanto, um relatório de Dobrovitch, datado de 2 de outubro de 1946, informava “que o actual elemento de ligação com o PC vai por vários meses para Paris. É o mesmo camarada que me entregou, nos últimos 6 meses, o material do PC e, segundo as suas diretivas e necessidades, levou-me até às suas ligações superiores. O mencionado elemento de ligação vive na legalidade, por profissão Dr. em Matemáticas, pseudónimo "Sousa". A viagem do camarada para Paris é legal, de carácter privado, com autorização do PC” – trata-se de Manuel Valadares que aderira ao PCP nesse ano, usando também o pseudónimo de “Novais”, e que vinha assegurando aquelas ligações, nas vésperas do IV Congresso (II Ilegal) do PCP, que se realizaria em julho de 1946.

Com data de 14 de junho de 1947, o Conselho de Ministros adotou uma Resolução (ver anexo) mandando rescindir imediatamente, entre outros, o contrato de Manuel José Nogueira Valadares como assistente da Faculdade de Ciências de Lisboa.

Essa ação do governo de Salazar recorria ao Decreto-Lei n.º 25317, de 13 de maio de 1935 (ver anexo), que mandava "aposentar, reformar ou demitir os funcionários ou empregados, civis ou militares, que tenham revelado ou revelem espírito de oposição aos princípios fundamentais da Constituição Política ou não deem garantia de cooperar na realização dos fins superiores do Estado".
E, deste modo, num só dia, a ditadura afastou 11 oficiais das Forças Armadas e 21 professores e investigadores, que constituíam o escol da universidade portuguesa.
Registe-se ainda que o afastamento compulsivo da Universidade de Manuel Valadares, Amélio Marques da Silva e Armando Gibert e a falta de solidariedade de outros professores da Faculdade levaram o Prof. Cyrillo Soares, numa rara e corajosa tomada de posição, a solicitar imediatamente a sua aposentação como professor, bem como a sua demissão de diretor do Centro de Estudos de Física.
Manuel Valadares, na altura com 43 anos, foi rapidamente convidado por Irène Joliot-Curie para ir para Paris como «Chargé de recherches» do CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique), o que se concretizou logo em novembro de 1947. No ano seguinte, Valadares passou a “Maître de Recherches” no Laboratoire de l'Aimant Permanent, em Bellevue, dirigido por Salomon Rosenblum. 
O seu exílio mereceria entretanto referência numa intervenção pública em Bombaim, em 1955, do nacionalista indiano Pundlik Gaitonde, acabado de sair das cadeias salazaristas.
Em 1957, Valadares passa a “Directeur de Recherches” e, dois anos mais tarde, é nomeado director desse Laboratório, sucedendo ao físico francês de origem polaca, Salomon Rosenblum, que fora colaborador de Marie Curie. Em 1962, o laboratório, que passara para Orsay, deu origem ao “Centro de Espectrometria Nuclear e de Espectrometria de Massa”, continuando Manuel Valadares com o lugar de diretor que ocupou até se demitir em 1968. 
Trabalhando em Paris, Valadares continuou a fomentar a investigação científica em Portugal, contribuindo com ideias e mantendo-se disponível para apoiar os investigadores portugueses, colaborando, designadamente, na orientação de teses de doutoramento de vários investigadores em espectrometria de Raios X e em Física Nuclear e participando também em revistas como a Seara Nova.
Manteve ao longo da vida a sua intervenção cívica e política. Com alguns outros portugueses (o escritor Alves Redol, o compositor Fernando Lopes-Graça, a bióloga Maria da Costa, o psiquiatra João dos Santos e sua mulher, a médica Hermínia Grijó) participou, entre 25 e 28 de agosto de 1948, na cidade polaca de Wroclaw, no Congresso Mundial dos Intelectuais pela Paz, que, dois anos mais tarde, levaria à constituição do Conselho Mundial da Paz.
E, em novembro de 1950, esteve presente em Varsóvia no segundo Congresso Mundial da Paz, que reuniu mais de dois mil participantes de 80 países, onde foi decidida a criação de uma estrutura permanente, o Conselho Mundial da Paz.
O primeiro Conselho Mundial da Paz, presidido por Fréderic Joliot-Curie, abrangia 221 elementos, entre os quais Pablo Picasso, Louis Aragon, Pablo Neruda, Jorge Amado, Howard Fast, Alexander Fadeev, Ilya Ehrembourg, Irene Curie, Paul Robeson, Sekou Touré, Lázaro ardenas, Soong Ching-ling, viúva de Sun Yat-Sen, e o português Manuel Valadares.
Ao longo dos anos, a PIDE vigia atentamente Manuel Valadares, quer recolhendo informação sobre as suas atividades, designadamente no âmbito do movimento mundial para a paz, quer violando sistematicamente a correspondência que envia para Portugal. 
A relevância internacional de Valadares está bem patente também no facto de os "serviços americanos" fornecerem à PIDE notícia sobre a sua participação no Congresso para a Paz de Viena e, por outro lado, recebendo o inspetor da PIDE Abílio Alcarva o original de um Relatório de 22-03-1955 sobre Manuel Valadares e o Comité Mundial da Paz, para que essa informação possa constar do "relatório a enviar ao Comité Especial da NATO”.
Significativamente, a 11 de Julho de 1960, Manuel Valadares oferece a Manuel Mendes uma carta que encontrou à venda de Henri Barbusse, "um homem com cujas ideias tanto lidamos na nossa juventude".
Em França, desenvolveu intensa atividade científica, colaborando em numerosas publicações, designadamente, no Journal de Physique. Em 1966, um trabalho que assina com Salomon Rosenblum sobre espectrometria nuclear recebeu o Prémio La Caze, da Academia das Ciências de Paris.
Nesse mesmo ano, o cônsul português em França, obedecendo a ordens de Lisboa, recusou emitir o passaporte que solicitara. Este incidente levou Manuel Valadares a requerer a naturalização francesa, o que sempre evitara.
Após 25 de abril de 1974, foi eleito membro honorário da Sociedade Portuguesa de Física, em 1978, foi-lhe atribuído o Grau de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Lisboa, em 1981, e o seu nome é recordado com o «Anfiteatro Manuel Valadares», hoje incluído no Museu de Ciência, situado no edifício da Escola Politécnica, em Lisboa.
Manuel Valadares viria a morrer em 31 de outubro de 1982, com 79 anos de idade, em Paris.

REFERÊNCIAS:

Agradecimento a Helena Pato.
Fotografia em Roma, publicada no blog dedicado ao centenário do nascimento de António Aniceto Monteiro
(http://antonioanicetomonteiro.blogspot.com/)
PIDE-DGS: PT-TT-PIDE/D-A/003/22947
Sobre o papel da legação Jugoslava em Lisboa: Jorge Santos Carvalho, "As Relações Jugoslavo-Portuguesas (1941-74)", Imprensa da Universidade de Coimbra, 2012