banner

 

Andrée Crabbé Rocha

Andrée Crabbé Rocha

Andrée Jeanne Françoise Crabbé Rocha nasceu em Nantes, França, em 1917, de origem belga e mais tarde naturalizada portuguesa Licenciou-se em 1939, em Filologia Românica pela Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Bruxelas, tendo Vitorino Nemésio como professor na cadeira de Português e apresentando uma dissertação sobre Fialho de Almeida. Terminou o curso com “grande distinction”. Teve o primeiro contacto com Portugal em 1938, quando frequentou um Curso de Férias da Universidade de Coimbra. Nesse mesmo ano começou a colaborar na Revista de Portugal, dirigida por Vitorino Nemésio.
Andrée Crabbé passa a chamar-se Andrée Crabée Rocha ao casar com Miguel Torga (pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha) em 27 de julho de 1940, adquirindo a nacionalidade portuguesa através do casamento.
Doutorou-se em 1944 na Universidade de Lisboa com uma tese intitulada O Teatro de Garrett. Em 1945 iniciou as funções de Primeira-Assistente da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, coadjuvando Nemésio. Residente em Coimbra, deslocava-se semanalmente à capital.
Com data de 14 de junho de 1947, Salazar decide mandar aplicar  a onze militares e a vinte e um investigadores e docentes universitários o famigerado Decreto-Lei n.º 25317, de 13 de Maio de 1935, que mandava “aposentar, reformar ou demitir os funcionários ou empregados, civis ou militares, que tenham revelado ou revelem espírito de oposição aos princípios fundamentais da Constituïção Política ou não dêem garantia de cooperar na realização dos fins superiores do Estado”, ou seja, quem não apoiasse a “situação”.

Desse modo, o Conselho de Ministros manda, entre outros perseguidos, que seja “imediatamente” rescindido o contrato com a assistente da Faculdade de Letras de Lisboa Andrée Crabbé Rocha, o que será executado pelo ministro da Educação Nacional Fernando Andrade Pires de Lima.

Não era nova a fascização das universidades, mas esta investida constituiu, sem dúvida, uma das maiores ofensivas do regime contra a inteligência. E foi também um momento em que muitos dos colegas dos afastados se calaram, não exprimindo a menor solidariedade com as vítimas, alinhando, afinal, com os intuitos repressivos do regime.
Vale a pena, por isso, referir aqui a carta que Delfim Santos, ao tempo professor extraordinário da Faculdade de Letras de Lisboa envia a Andrée Crabbé Rocha, com data de 1 de agosto de 1947:

Ex.ma Senhora Doutora:
Após a estupefacção, surgiu a esperança de pessoalmente ainda a poder encontrar em Lisboa, e depois a possibilidade de uma viagem a Coimbra, que infelizmente não pôde realizar-se.
Apesar destas impossibilidades, e relembrando o nosso convívio como colegas, venho apresentar-lhe, Excelentíssima Senhora, com os meus cumprimentos, a homenagem de simpatia que merece e que lhe é devida. E afirmando-lhe a minha consideração e respeito, peço transmita a seu Marido a minhas saudações.
Cordialmente saúda-a o colega
Delfim Santos


Logo após o afastamento da universidade de Andrée Crabbé Rocha, a PIDE informa o Governo Civil de Coimbra, em 25-07-1947, "julgar inconveniente a concessão do passaporte" à visada e ao seu marido, Miguel Torga, que pretendiam deslocar-se à "Bélgica e a outros países, excepto Rússia" em viagem de visita à Mãe e Avó daquela.
A isto mesmo se refere Andrée Crabbée Rocha na carta de agradecimento a Delfim Santos, datada de 25-08-1947: "Para coroar a sua inexplicável atitude para comigo, o Governo não me concedeu o passaporte que pedi para ir ver a família a Bruxelas."
Impedida de lecionar na escola pública durante mais de vinte anos, prosseguiu os seus trabalhos de investigação no domínio da Literatura Portuguesa, deu aulas na Alliance Française de Coimbra e explicações de Francês e de Literatura Portuguesa em sua casa. Participou em congressos, fez conferências e colaborou em diversos jornais e revistas literárias.
Em 1954 acompanhou o marido ao Brasil, quando este foi convidado a revisitar o país onde passara a sua adolescência, por ocasião do Congresso Internacional de Escritores comemorativo do quarto centenário da fundação da cidade de São Paulo. Delfim Santos que participara no Congresso Internacional de Filosofia que se integrava nas mesmas comemorações, reencontrou Andrée Rocha na viagem de regresso, a bordo do paquete Santa Maria, com quem teve prolongados debates no decurso dos 10 dias que então durava a viagem marítima entre o Rio de Janeiro e Lisboa e respetivas escalas.
Andrée Rocha foi readmitida na docência universitária em Abril de 1970, concorreu para Professora Extraordinária da Faculdade de Letras de Lisboa e tomou posse a 9 de Maio desse ano. Em 1976 pediu transferência para a Universidade de Coimbra, onde leccionou até 1986.
Dirigiu a revista "Cadernos de Literatura", que publicou em Coimbra entre 1978 e 1986, e colaborou em publicações como a "Colóquio/Letras" e a "Revista de Teoria das Ideias". Andrée Crabbé Rocha efectuou numerosas traduções para francês, designadamente de textos do seu marido, Miguel Torga.
Foi distinguida com a Ordem Nacional de Mérito de França, em 1979, e com a Ordem do Infante D. Henrique, em 1986, ano em que proferiu a sua última lição na Faculdade de Letras de Coimbra.
Faleceu a 17 de Março de 2003 na sua casa de Coimbra, deixando vasta obra que inclui desde ensaios a traduções e na qual se destacam:
• Aspectos do cancioneiro geral, Coimbra: Coimbra Editora, 1949.
• A epistolografia em Portugal, Coimbra: Almedina, 1965, 2a edição Lisboa: INCM, 1985.
• As aventuras de Anfitrião e outros estudos de teatro, Coimbra: Almedina, 1969.
• Garcia de Resende e o Cancioneiro Geral, Lisboa: ICALP, 1979.

REFERÊNCIAS:

Em 27-03-2020, a casa mandada construir em Coimbra (ver fotografia anexa) por Miguel Torga e Andrée Crabbé Rocha foi classificada (Portaria n.º 317/2020) como monumento de interesse público, aí estando instalada a Casa-Museu Miguel Torga.