Francisco Pulido Valente nasce a 25 de dezembro de 1884, em Lisboa, filho de Maria Bela Pulido Valente e de Francisco Manuel Valente. Entre 1894 e 1901 frequenta o Liceu da Regaleira, em Lisboa (atual sede da Ordem dos Advogados).
Frequenta seguidamente o Curso de Medicina na Faculdade de Medicina de Lisboa, defendendo tese, em 1909, sobre a histeria na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa. Após conclusão dos exames de todas as cadeiras, requereu a admissão ao “Acto Grande” (conjunto de provas que decorriam durante três dias na presença de todos os lentes da Escola), sendo aprovado com 19 valores.
Em 1904, com Álvaro de Castro, Campos Lima, Carlos Amaro, Câmara Reis, Tomás da Fonseca, entre outros, participara no corpo redatorial da revista Mocidade, em cujo nº1, com data de 1 de novembro, tinha então 20 anos incompletos, publicou o artigo Geração Nova.
No decurso da greve académica de 1907, contra a ditadura de João Franco, assume preponderância, juntamente com Lúcio Pinheiro dos Santos, Ramada Curto e os irmãos Américo e Carlos Olavo. Após a instauração da República, assume no jornal «República Portugueza» a defesa de uma ditadura revolucionária, em vez do Governo Provisório implantado.
Em 1911, presta concurso de provas públicas para médico da Junta Consultiva dos Hospitais Civis de Lisboa.
No ano seguinte, é nomeado primeiro assistente de Psiquiatria a trabalhar sob a orientação de Júlio de Matos. A sua passagem pelo Hospital de Rilhafoles marcou fortemente a sua cultura, cujos fundamentos e interesse neuropsiquiátricos passaram a ser, desde então, evidentes. Trabalhou em Psiquiatria e Medicina Interna e continuou a frequentar as Clínicas de outras especialidades, como a Dermatologia.
Em 1914, foi promovido a assistente da secção de Medicina da Junta Consultiva dos Hospitais Civis de Lisboa, lugar de que só saiu quando, mais tarde, ingressou em comissão de serviço na Faculdade de Medicina.
Frequentou também, entretanto, os Laboratórios do Instituto Câmara Pestana, dirigidos por Aníbal Bettencourt, onde aprende e pratica as várias técnicas da bacteriologia e da parasitologia, e onde faz trabalhos de investigação sobre a sífilis, considerados, por muitos, como a parte mais relevante da sua obra. Foi indicado pela Direção do Instituto Câmara Pestana para pensionista de Patologia Médica no estrangeiro.
Já em plena participação portuguesa na I Guerra Mundial, Pulido Valente foi mobilizado em julho de 1917, sendo colocado em França. No regresso retomou a carreira académica.
Em 1919, foi nomeado, sucessivamente, segundo Assistente da 1.ª Clínica Médica e primeiro assistente de Medicina Interna, depois de um concurso público em que obteve 20 valores. No ano seguinte assumiu a regência da 1.ª Clínica Médica e a direção dos respetivos serviços hospitalares, bem como a regência do curso de Patologia Médica, sendo nomeado Professor Livre.
Em 1921, profere uma lição sobre paralisia geral e é nomeado Professor Ordinário de Patologia e Terapêutica Médicas.
A partir da sua entrada para Professor titular, Francisco Pulido Valente dedica-se, sobretudo, à organização do ensino, à formação dos seus assistentes e ao desenvolvimento dos laboratórios que constituíram um dos fundamentos da sua metodologia clínica. Por sua indicação, Cascão de Anciães, Fernando Fonseca e Morais Cardoso vão frequentar, na Alemanha, clínicas dirigidas pelos maiores especialistas da época. Simultaneamente, publica na revista “Lisboa Médica” as suas lições sobre diabetes. Em março de 1925, desloca-se, em comissão de serviço, a Copenhaga, em companhia de Cascão Anciães, para assistir a um congresso sobre o novo tratamento da tuberculose, designado sanocrisina, desenvolvido pelo belga Professor Mollgaad – virá a publicar na revista «Lisboa Médica», a «Carta a um médico provinciano a propósito da sanocrisina» onde resume a sua opinião sobre o valor desse tratamento e profere na Faculdade de Medicina de Lisboa, a lição «As modernas ideias na patologia da tuberculose pulmonar», assinalando o primeiro centenário da Régia Escola de Cirurgia de Lisboa.
Pulido Valente acompanhou ainda com muito interesse o projeto do novo Hospital Escolar. E, nesse âmbito, respondeu ao questionário da Comissão Técnica dos Hospitais Escolares, em nome da cadeira de Clínica Médica, manifestando com clareza a sua visão do problema.
Em 1936, consegue que seja contratado para o Hospital Escolar o médico judeu-alemão Joachim Friedrich Wohlwill (1881-1958), professor de patologia nos hospitais de Eppendorf e St. Georg de Hamburgo, que se vira obrigado a sair do seu país para garantir a subsistência, uma vez que fora proibido de ensinar.
Foi o início de uma frutuosa colaboração e marcou uma mudança decisiva na abordagem dos problemas clínicos, dando ênfase à correlação anatomopatológica-clínica e aos mecanismos fisiopatológicos, como base da interpretação precisa dos quadros clínicos.
Nos anos de 1938 e 1939, profere seis lições sobre eletrocardiografia integradas em cursos de aperfeiçoamento, merecendo especial destaque as matérias relacionadas com a diabetes (e a terapêutica com a insulina), a circulação do sangue e a electrocardiografia.
Cresce entretanto o interesse de Francisco Pulido Valente pela utilização da matemática na medicina, o que aprofundou em colaboração com Bento de Jesus Caraça, seu amigo de longa data e, depois, continuada com Mário de Alenquer, um dos seus discípulos mais jovens.
Chegado ao final da II Guerra Mundial, Pulido Valente é um dos médicos mais conceituados no nosso país – sem nunca desistir do seu posicionamento democrático e progressista.
Com data de 14 de junho de 1947, Salazar decide mandar aplicar a onze militares e a vinte e um investigadores e docentes universitários o famigerado Decreto-Lei n.º 25317, de 13 de Maio de 1935, que mandava “aposentar, reformar ou demitir os funcionários ou empregados, civis ou militares, que tenham revelado ou revelem espírito de oposição aos princípios fundamentais da Constituïção Política ou não dêem garantia de cooperar na realização dos fins superiores do Estado”, ou seja, quem não apoiasse a “situação”.
Desse modo, o Conselho de Ministros manda, entre outros visados, considerar abrangido no artigo 1.º do decreto-lei n.º 25 317, de 13 de maio de 1935, devendo consequentemente ser aposentado (ou demitido, se não tiver direito a aposentação) o Dr. Francisco Pulido Valente, professor catedrático da Faculdade de Medicina de Lisboa.
Em agosto, foi colocado na situação de inatividade permanente aguardando aposentação e a aposentação compulsiva foi publicada no Diário do Governo, nº 70, de 25 de março de 1948.
A partir dessa perseguição, o Prof. Francisco Pulido Valente não publicou mais nenhum trabalho, nem participou em qualquer manifestação científica. Continuou a atividade clínica no seu consultório particular.
Como sublinhou Aquilino Ribeiro no prefácio do seu livro “Quando os lobos uivam” que lhe dedicou, “Apartado tão estúpida como iniquamente da Cátedra, Pulido Valente que criou em Medicina uma moral superior”, acrescentando: “Pulido Valente é ainda o homem de são conselho e rectilíneo na plana social. Nesta hora, em que andamos todos com grilhões nos pulsos, fique o seu nome como o de Hermes no marco miliário da estrada e a legenda: adiante, e consideremos que para chegar a bom termo é preciso ser livres!”
O seu consultório, onde, ao fim da tarde, se reuniam algumas das figuras mais prestigiadas do seu tempo, adquire nova relevância, enquanto tertúlia cultural e política. Aí passam, designadamente, Abel Manta, Alberto Candeias, Aquilino Ribeiro, Carlos Olavo, Fernando Lopes Graça, Camara Reis, Manuel Mendes, Mário de Alenquer, Ramada Curto, Sebastião Costa, Vasco Ribeiro Santos.
Pulido Valente participará na campanha eleitoral de Norton de Matos, dando, designadamente, o seu testemunho numa entrevista ao Diário de Lisboa, a 22 de janeiro de 1949, em que faz uma áspera crítica aos serviços de Assistência e, em especial, ao regime de funcionamento dos hospitais. Aí afirma com clareza: "O problema da Saúde, como ele está posto ao nosso tempo, só admite uma solução de conjunto por uma estrutura estatal unitária, que garanta assistência suficiente e igual a todos os portugueses."
Em maio de 1952, desloca-se a Inglaterra para ser observado pelo especialista Terence Millin.
cirurgião urologista irlandês nascido na Grã-Bretanha, Presidente da Associação Britânica de Cirurgiões Urologistas
Por ocasião do seu 70.º aniversário, em 1954, é homenageado pelos seus amigos e discípulos, sendo notório o reconhecimento de todos pela enorme influência que Pulido Valente tivera nas suas carreiras e pelo exemplo cívico que sempre constituiu.
No ano seguinte, o pintor Abel Manta termina o quadro a óleo (ver imagem em anexo) intitulado “A Leitura” ou “O Grupo do Consultório”, hoje incluído na coleção do Museu da Cidade de Lisboa, que retrata os participantes habituais nas tertúlias organizadas no consultório do Prof. Pulido Valente.
Em 1958, integra a Comissão de Honra da candidatura do General Humberto Delgado à Presidência da República, sendo um dos participantes na conferência de imprensa realizada a 10 de maio no café Chave de Ouro, em Lisboa, em que o General afirma sobre Salazar: "Obviamente, demito-o!".
A 20 de junho de 1963, morre em Lisboa, antes de perfazer 79 anos de idade
Foi atribuído o seu nome ao antigo Sanatório Popular D. Carlos I em Lisboa, aquando da sua reconversão em hospital central.
A 13 de julho de 1981, foi agraciado, a título póstumo, com o grau de Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada
REFERÊNCIAS:
In memoriam [de] Francisco Pulido Valente, 1884-1963. Lisboa, Imp. Nac.-Casa da Moeda, 1989
Fundação Professor Francisco Pulido Valente